quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 Vamos viver ao sol da Vida

Por Emanoel Barreto

Observando nossa vida em perspectiva reversa, ou seja, olhando o nosso passado e o que fizemos ao longo do percurso podemos perceber o quanto tudo se modificou depressa. Em nós e à nossa volta tudo mudou muito rápido – talvez depressa demais, para desespero de alguns.

A incapacidade de aceitar a impermanência das coisas, a mutação silenciosa e implacável dos nossos corpos no envelhecimento diário, o desfazimento de laços de afeto, a perda de bens materiais, o fracasso de sonhos – só para citar alguns casos – tudo isso pode trazer sofrimento e dor a quem não se preparou para perdas e mudanças que a imaturidade de muitos entende como inaceitáveis.

A mutabilidade de tudo em direção ao fim é o grande problema. Somos impotentes, não conseguimos impedir de mudar aquilo que foi feito para se desfazer e finar.

O inverso desses apegos a coisas e pessoas a quem desejamos ter a nosso lado diz respeito ao apego a coisas e pessoas que nos fazem mal.

Refiro ao quanto é difícil nos livrarmos do ódio a alguém, do ciúme de alguém, do medo do outro, da submissão ao opressor – aqui não no plano ideológico, mas pessoal – da falta de atitude frente àqueles que nos ferem ou ameaçam. 

O apego à saudade, o acorrentar-se a velhas ofensas, a insistência em não perdoar são formas terríveis e ilusórias de experienciar nosso processo existencial na cotidianidade do pó que escorre na ampulheta da vida. Pura perda de tempo.

Suspeito, todavia, que talvez seja mais fácil superar a perda de alguém a quem amamos que nos desvencilharmos do ódio pelo outro. O abraço ao ódio é terrível e faz mal, muito mais mal a quem o sente do que àquele a quem é dirigido. Porque o ódio é vivido somente por quem o interiorizou. É impossível fazê-lo chegar em essência ou  toque corporal àquele que é alvo de tal sentimento. O ódio é um sofrimento em vão. Mas, quanto apego existe por ele.

Essa valorização do negativo é mero fruto de construções mentais. A pessoa passa a acreditar na importância do ódio como objetivo de vida e no despeito como forma de compensação. O mesmo se diz da inveja, da frustração, do sentimento de culpa por não ter atingido um certo propósito, seja sucesso pessoal ou vingança a quem o magoou.

Tudo isso porém, analisado friamente, revela-se como algo tolo e desnecessário, pueril e gerador de mais sofrimento aos que têm no negativo seu referente e o carrega como coisa própria e essencial. Mas esse sofrimento é passível e possível de superação. Basta refletir. Com método e decisão é possível livrarmo-nos de tais situações e viver cada dia com consciência de cada momento.

Viver passo a passo creio que seja o melhor caminho para ficar em paz. A idade, para quem já envelheceu, deve ser tida como resultado de todo um processo de vivências e aprendizados.

Se a idade nos sinaliza a proximidade do ocaso não é preciso apegar-se à saudade. Mas sorrir às lembranças de tudo o que nos fez chegar até onde chegamos e ao tudo que somos. Sem medo, sem lamentar tempo perdido. Não há perda de tempo quando se soube viver ao sol da Vida.

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