quinta-feira, 30 de julho de 2020


Como é difícil conviver com o próprio silêncio

Por Emanoel Barreto

A incapacidade de convivência consigo próprio, a experienciação de um momento interativo interno e tranquilo ou o compartilhamento de instantes com familiares em regime de isolamento durante a pandemia tem levado à formação de multidões de pessoas desesperadas; todas em busca de uma alegria passageira que muitas vezes resulta numa espécie de caminho para os umbrais do coronavírus. 

Em épocas já passadas a sensação de passagem do tempo sugeria uma certa lentidão na vivência diária. Ficar em casa era o comum, o normal de então. Hoje, com a velocidade imposta pelo estilo de vida pautado na pressa, na ultra velocidade da informação, na comunicação instantaneizada, criou-se a percepção de que é preciso agir, ou seja: fazer, fazer algo, fazer algo como estar num shopping center fazendo... nada.

É essa ilusão, essa manipulação da sociedade de mercado que tem colocado na agenda interna das pessoas a necessidade – falsificada – de sair, vale dizer fugir de pensar, ler um livro, conversar pausadamente, viver momentos de tranquilidade na aragem de uma tarde boa e mansa.

Em função disso, quando a situação exige que se tenha cautela, respeito por si e pelos outros, pela saúde de todos, o que inclui a mim e a você, surgem acontecimentos disruptivos como os que ocorreram em Ponta Negra há dias e, mais recentemente, em Pipa.

Pessoas vazias de si buscando bares e uma festança tocada a música eletrônica como que num protesto e insatisfação contra sua própria segurança já que essa segurança estava condicionada a um desconfortável ficar em casa, recolher-se proteger-se. Sendo assim, dane-se a segurança. 

O estranhamento de si, o distanciamento de si ocorre em pessoas que diante desse estranhamento – o fato de estar em casa – encaram essa situação como “estar presa em casa” em vez de “estou a salvo em casa.”

Junte-se esse tipo de pensamento às atitudes de muitas autoridades, que querem servir aos comerciantes abrindo o comércio e temos a mistura perfeita para que o coronavírus continue a se disseminar.

A desgraça banalizou-se, mas ainda há muitos que não querem ver – e quando veem já muito tarde.


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