quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Os novos nomes da corrupção



Cuidado. Úculos, búculos e trúculos vão dominar o Rio Grande do Norte


Há dias esteve em minha tipografia um homem que, pretextando estar a serviço de “altos assuntos”, anunciou-se como sendo “um búculo”. 

Como não tenho a mais mínima compreensão do que seja tal e tão louca pessoa, situação, cargo ou patranha, calei-me e esperei que ele explicasse o que seria isso, ou seja: quem seria ele, qual o seu propósito, intenção e meta. Pródigo em palavras foi logo dizendo:
– Existem, meu caro tipógrafo, na sociedade brasileira os mais variados tipos de homens em termos de depravação política.

– Sei disso. 

– Sendo assim – prosseguiu – da mesma forma como há corruptos lamentáveis, safados de todas as espécies, ladrões engalanados, honrados salafrários e magníficos farsantes, surgimos nós, os que somos búculos. 

A isso seguiu-se a explicação: – Cientista cujo nome prefiro não declinar nos está criando em laboratório mediante rigoroso processo de reprogramação mental. E dividiu-nos em três classes ascensionais: úculos, búculos e trúculos. Primeiro o indivíduo é preparado para ser úculo. Então, após elevados estudos, chega à condição de búculo. Afinal, o eleito para tal e excelsa obra passa à situação de trúculo, grau máximo. Todavia, já na condição inicial pode o úculo começar a trabalhar. Detalhe: somos recrutados das classes mais sofridas, vimos dos trabalhos pesados, dos salários indignos. Sendo assim, ao nos tornarmos sequencialmente úculos, búculos e trúculos deixamos a classe trabalhadora e passamos a instância superior, privilegiada, cheia de mimos e pertences. Destarte, gostamos de tal felicidade e da desigualdade que a gerou.
Indaguei: – E porque o senhor está me contando tudo isso? Para mim tudo continua sem sentido. Qual a “excelsa obra” a que se dedicam? O que são úculos, búculos e trúculos? 

A resposta deixou-me ainda mais atônito: – Não sei. Sei apenas que ficamos privilegiados.

– O senhor não sabe? O senhor é um búculo e não sabe o que é ser búculo?

 – Não sei, e isso é o mais importante. O que importa realmente é o agir sem saber para quê, entende? Agir segundo o que se nos foi dito em laboratório e pronto.

– E o que lhes está sendo dito? 

– Simples – foi a resposta: – Devemos ingressar na vida pública, ganhar mandatos e dar vazão a todos os instintos humanos de lucro, desvio de dinheiros públicos; vamos alimentar-nos de propinas sórdidas, viver de concussões secretas e prevaricações desleais: tudo o que não tínhamos com nosso miserável soldo de trabalhadores. Vamos agir segundo o sistema sem compreender sua essência de sistema, vamos viver apenas aderindo e gozando. Reproduzir o que já existe e viver segundo suas regras.

– Mas, senhor – enfatizei – isso já há muito tempo. No Brasil e no Rio Grande do Norte essa raça, literalmente, abunda. Os senhores estão sendo preparados apenas para uma coisa: um elevado grau de corrupção. Os senhores são, no máximo, uma nova categoria semântica da expressão ladroagem pública, só isso.

– Ohhhhhhhhh!!!! – ele manifestou-se decepcionado. – Quer dizer que sou apenas um corrupto? Um reles corrupto? Não tornei-me um ser superior, uma elite? Deixei de ser trabalhador para ser um tipo de bandido?

– Sim, meu caro. Objetivamente, o senhor é um ladrão.
– Não – ele contestou – não sou um ladrão pois ainda não tenho um mandato, como me foi determinado nas experiências laboratoriais. Mas, espere-me e o senhor verá a minha competência. Sua ignorância me enoja.

A seguir, retirou-se.
Hoje, para minha surpresa, abri o jornal e vi a manchete:

“Honorável trúculo é candidato
a deputado federal”
Imediatamente compreendi: o sujeito, em menos de 24 horas, havia completado seu processo ascensional e passara à condição máxima de corrupto mediante científica e exata programação. E então, neste exato momento, ao redigir este coranto percebi, para desespero meu: estamos perdidos: os corruptos serão produzidos em série. E pior: seguindo os princípios da alta ciência, agirão com ainda maior desenvoltura, perspicácia, pragmática e acurácia. 

Comecei a tremer. Fiz então o seguinte: estou encaixotando meus amados tipos, minhas caixas altas e baixas e preparo-me para fugir. Para onde, não sei. Mas farei o seguinte: vou dirigir-me ao porto e esperar o próximo vapor. Embarcarei naquele que for para a mais distante ilha, uma ilha ainda não inscrita em qualquer mapa; ali será o meu lugar. 

De lá mandarei a este infeliz Estado meus textos e minha palavra escrita. Na esperança de que tais ditos tenham aqui alguma eficácia de contestação e repúdio aos costumes locais.   

Ao mesmo tempo desejarei que, em tal lugar, na ilha distante para onde irei, os autóctones – bárbaros e bondosos – não cheguem ao estágio de civilização e venham, um dia, a se tornar úculos, búculos e trúculos. É isso. 

Quanto a você que fica, leitor, desejo boa sorte. Reze. E assim que puder embarque e fuja também.

Um forte abraço,
Emanoel Barreto










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