sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Uma crítica a respeito

Reproduzo do blog Cartapácias texto de Walter Pinheiro Jr. a respeito de "Os crimes do Padre Heusz". Agradeço a Walter as palavras.

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Os Crimes do Padre Heusz: A morte como doce penalidade para alcançar a salvação - Emanoel Barreto

Hoje nós temos a participação mais do que especial do leitor Walter Pinheiro Jr que contribui para o nosso blog com essa magnífica resenha sobre o livro Os Crimes do Padre Heusz, do professor de Jornalismo da UFRN, Emanoel Barreto.
Confira abaixo!

- Mas a finalidade do veneno é a morte - rebati.
- E a finalidade da morte é a salvação - enfrentou-me.
- E a finalidade da salvação?
- Esta tem por fim levar o homem a viver eternamente.
- Então, quereis a eternidade?
- Sim quero.
- Quer dizer então que, querendo a eternidade quereis também o veneno que lhe a dará?
Um padre assassino, um jornalista disposto a transpor os limites do envolvimento pessoal para conseguir 'A SUA HISTÓRIA', loucura, crimes, miséria humana, fé, pobreza, degradação moral, redenção, justiça e um mistério inquietante. Está montado o cenário completo para um grande romance policial. Porém, bem mais do que isso, Os Crimes do Padre Heusz se caracteriza também como uma aventura amarga de suspense, que força à auto avaliação e convida o leitor a imergir, desde a sua primeira página até à derradeira palavra, em uma atmosfera tensamente reflexiva sobre a verdade absoluta de conceitos paradigmáticos como o pecado, a justiça, a realidade e a ética.

(Emanoel Barreto)
Primeiramente gostaria dizer ao leitor do Cartapácias que me sinto extremamente honrado e igualmente apreensivo em escrever esta resenha, tendo em vista que a obra comentada a seguir pertence a um autor peculiar: Emanoel Barreto, jornalista dono de uma vasta experiência de 38 anos de campo, e meu professor no curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contudo, apesar da empreitada arriscada e atrevida de tentar analisar um autor presente no meu convívio acadêmico e que admiro 'por demais da conta', aviso aos navegantes: colocarei aqui apenas impressões pessoais de um leitor comum, baseadas em percepções captadas pela minha, ainda rasa, capacidade e habilidade para a crítica literária. 
                                                                                                                                                                         
Pois bem, lançado em 24 de julho deste ano (quente, quente, recém saído do forno), o livro Os Crimes do Padre Heusz, narra em primeira pessoa a história de um repórter policial, aparentemente consagrado e estabilizado profissionalmente no jornal Página Um, que, em uma noite normal de fechamento de edição, recebe uma carta assinada por um Padre chamado Petrus Paulus Apolonius Heusz.
No texto, o sacerdote apresenta-se, compartilha um pouco da sua rotina celibatária e revela ter uma missão: salvar as almas perturbadas que o buscam na confidencialidade do confessionário, através do perdão de seus mais repugnantes pecados. No entanto, para a perplexidade do jornalista, a tal absolvição vem através de uma hóstia envenenada causadora da morte paradisíaca e indolor do pecador, concebida em comunhão ministrada pelo Padre. Libertando assim, o indivíduo da vida lasciva e expurgando o mal da face da terra.
A partir daí, movido pela curiosidade sagaz inerente aos apaixonados pela profissão, e vislumbrando a possibilidade de publicação de uma grande reportagem, o protagonista passa a aceitar mais e mais cartas do Padre Heusz. Cartas essas, que relatam detalhadamente seus crimes, e o porquê de serem cometidos. Então, quando menos espera, o redator já se encontra envolvido até o pescoço em um jogo misterioso e perigoso de gato e rato, vendo-se obrigado a enfrentar os demônios interiores que dominam os seus princípios, crenças, e julgamentos sobre o que é bom, ruim ou real.
           
Adepto da máxima "O Salário do Pecado é a morte", o Padre Heusz se intitula um justiceiro honrado a serviço de Deus, que concede a vida eterna às almas não merecedoras de viver a vida terrestre. Porém, quais pecados os seus congregados lhe confiaram? Quão imundos e miseráveis os são, para que mereçam tais seres a morte? Quanto de desumanidade e loucura o ser humano pode carregar no seu âmago? Com que autoridade alguém pode julgar a atitude do próximo? Até onde vai o poder da fé? Por qual razão, já que mata os seus confessos, o Padre Heusz escolheu justamente um repórter policial para "confessar-se" também, tal qual suas vítimas o escolheram? Estaria ele também em busca do perdão por seus crimes? Estaria o antagonista almejando provar do seu próprio e sublime veneno matador? Creio que para descobrir, caro leitor, você proponha-se à leitura e chegue à suas próprias conclusões.
Durante a leitura, é interessante perceber a maestria com que o autor migra da linguagem informal utilizada nas partes narradas pelo repórter, para os textos das cartas do Padre Heusz, demonstrando exímio conhecimento da difícil linguagem sacerdotal e dos termos clérigos formais. Trechos da Bíblia também são citados geralmente em momentos de tensão na narrativa, por personagens que tendem a deturpar o seu significado para justificar as suas ações, assim apresentando para nós, outras possibilidades de entendimento das passagens bíblicas. 
Apesar de conter algumas palavras incomuns (corre no dicionário e dá aquela procurada rápida, não dói nada), o ritmo em que os fatos são contados te deixa instantaneamente preso à vontade de querer ler a próxima linha. Muito disso se deve às rápidas descrições que não se alongam, focando no necessário para o entendimento do leitor, e uma maior liberdade imaginativa da cena narrada. Um aspecto que eu particularmente gostei bastante foi a inserção criativa, na narrativa ficcional e nas notas de rodapé, de algumas experiências reais vividas pelo professor Emanoel Barreto, durante a sua atuação nas redações dos jornais potiguares Tribuna do Norte e Diário de Natal.
Cabem aqui também duas curiosidades sobre os personagens: 1) à exceção do Padre Heusz e de Dona Carmencita, os demais não possuem nomes próprios. São identificados por expressões qualitativas ou apelidos - Estalo, o velho aleijado, o gentio, o jornalista, o grande senhor, o magarefe, o manco... (recurso que me remeteu ao mestre da literatura portuguesa José Saramago); 2) apresentam-se como seres argumentativamente muito bem construídos: você pode não concordar com nada do que eles façam, e na maioria das vezes até sentir repulsa e indignação por seus atos, mas garanto, eles estão repletos de argumentos indiscutíveis (acreditam fortemente), e bem articulados para fazer você mudar de ideia. Consistentes em relação aos pensamentos subversivos e ao agir como reflexo condizente com a “loucura e decadência” interior.
           
Por fim advirto que será um pecado você não ler este livro. Então, lembre-se:
O Salário do Pecado é a Morte
Vai querer arriscar?

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