Reproduzo do blog Cartapácias texto de Walter Pinheiro Jr. a respeito de "Os crimes do Padre Heusz". Agradeço a Walter as palavras.
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Os Crimes do Padre Heusz: A morte como doce penalidade para alcançar a salvação - Emanoel Barreto
Hoje nós temos a
participação mais do que especial do leitor Walter Pinheiro Jr que contribui
para o nosso blog com essa magnífica resenha sobre o livro Os Crimes do Padre
Heusz, do professor de Jornalismo da UFRN, Emanoel Barreto.
Confira abaixo!
- Mas a finalidade do veneno é a morte - rebati.
- E a finalidade da morte é a salvação - enfrentou-me.
- E a finalidade da salvação?
- Esta tem por fim levar o homem a viver eternamente.
- Então, quereis a eternidade?
- Sim quero.
- Quer dizer então que, querendo a eternidade quereis
também o veneno que lhe a dará?
Um padre
assassino, um jornalista disposto a transpor os limites do envolvimento pessoal
para conseguir 'A SUA HISTÓRIA', loucura, crimes, miséria humana, fé, pobreza,
degradação moral, redenção, justiça e um mistério inquietante. Está montado o
cenário completo para um grande romance policial. Porém, bem mais do que isso, Os
Crimes do Padre Heusz se caracteriza também como uma aventura amarga de
suspense, que força à auto avaliação e convida o leitor a imergir, desde a sua
primeira página até à derradeira palavra, em uma atmosfera tensamente reflexiva
sobre a verdade absoluta de conceitos paradigmáticos como o pecado, a justiça,
a realidade e a ética.
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(Emanoel Barreto) |
Primeiramente
gostaria dizer ao leitor do Cartapácias que me sinto extremamente honrado e igualmente
apreensivo em escrever esta resenha, tendo em vista que a obra comentada a
seguir pertence a um autor peculiar: Emanoel Barreto, jornalista dono de uma vasta
experiência de 38 anos de campo, e meu professor no curso de jornalismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Contudo, apesar da empreitada
arriscada e atrevida de tentar analisar um autor presente no meu convívio
acadêmico e que admiro 'por demais da conta', aviso aos navegantes: colocarei
aqui apenas impressões pessoais de um leitor comum, baseadas em percepções
captadas pela minha, ainda rasa, capacidade e habilidade para a crítica
literária.
Pois bem,
lançado em 24 de julho deste ano (quente, quente, recém saído do forno), o
livro Os Crimes do Padre Heusz,
narra em primeira pessoa a história de um repórter policial, aparentemente
consagrado e estabilizado profissionalmente no jornal Página Um, que, em uma
noite normal de fechamento de edição, recebe uma carta assinada por um Padre
chamado Petrus Paulus Apolonius Heusz.
No texto,
o sacerdote apresenta-se, compartilha um pouco da sua rotina celibatária e
revela ter uma missão: salvar as almas perturbadas que o buscam na
confidencialidade do confessionário, através do perdão de seus mais repugnantes
pecados. No entanto, para a perplexidade do jornalista, a tal absolvição vem
através de uma hóstia envenenada causadora da morte paradisíaca e indolor do
pecador, concebida em comunhão ministrada pelo Padre. Libertando assim, o
indivíduo da vida lasciva e expurgando o mal da face da terra.
A partir
daí, movido pela curiosidade sagaz inerente aos apaixonados pela profissão, e
vislumbrando a possibilidade de publicação de uma grande reportagem, o
protagonista passa a aceitar mais e mais cartas do Padre Heusz. Cartas essas,
que relatam detalhadamente seus crimes, e o porquê de serem cometidos. Então,
quando menos espera, o redator já se encontra envolvido até o pescoço em um
jogo misterioso e perigoso de gato e rato, vendo-se obrigado a enfrentar os demônios
interiores que dominam os seus princípios, crenças, e julgamentos sobre o que é
bom, ruim ou real.
Adepto da
máxima "O Salário do Pecado é a morte", o Padre Heusz se intitula um
justiceiro honrado a serviço de Deus, que concede a vida eterna às almas não
merecedoras de viver a vida terrestre. Porém, quais pecados os seus congregados
lhe confiaram? Quão imundos e miseráveis os são, para que mereçam tais seres a
morte? Quanto de desumanidade e loucura o ser humano pode carregar no seu âmago?
Com que autoridade alguém pode julgar a atitude do próximo? Até onde vai o
poder da fé? Por qual razão, já que mata os seus confessos, o Padre Heusz
escolheu justamente um repórter policial para "confessar-se" também,
tal qual suas vítimas o escolheram? Estaria ele também em busca do perdão por
seus crimes? Estaria o antagonista almejando provar do seu próprio e sublime
veneno matador? Creio que para descobrir, caro leitor, você proponha-se à
leitura e chegue à suas próprias conclusões.
Durante a
leitura, é interessante perceber a maestria com que o autor migra da linguagem
informal utilizada nas partes narradas pelo repórter, para os textos das cartas
do Padre Heusz, demonstrando exímio conhecimento da difícil linguagem
sacerdotal e dos termos clérigos formais. Trechos da Bíblia também são citados
geralmente em momentos de tensão na narrativa, por personagens que tendem a
deturpar o seu significado para justificar as suas ações, assim apresentando
para nós, outras possibilidades de entendimento das passagens bíblicas.
Apesar de
conter algumas palavras incomuns (corre no dicionário e dá aquela procurada
rápida, não dói nada), o ritmo em que os fatos são contados te deixa
instantaneamente preso à vontade de querer ler a próxima linha. Muito disso se
deve às rápidas descrições que não se alongam, focando no necessário para o
entendimento do leitor, e uma maior liberdade imaginativa da cena narrada. Um
aspecto que eu particularmente gostei bastante foi a inserção criativa, na
narrativa ficcional e nas notas de rodapé, de algumas experiências reais
vividas pelo professor Emanoel Barreto, durante a sua atuação nas redações dos
jornais potiguares Tribuna do Norte e Diário de Natal.
Cabem aqui
também duas curiosidades sobre os personagens: 1) à exceção do Padre Heusz e de
Dona Carmencita, os demais não possuem nomes próprios. São identificados por
expressões qualitativas ou apelidos - Estalo,
o velho aleijado, o gentio, o jornalista, o grande senhor, o magarefe, o
manco... (recurso que me remeteu ao mestre da literatura portuguesa José
Saramago); 2) apresentam-se como seres argumentativamente muito bem
construídos: você pode não concordar com nada do que eles façam, e na maioria
das vezes até sentir repulsa e indignação por seus atos, mas garanto, eles
estão repletos de argumentos indiscutíveis (acreditam fortemente), e bem
articulados para fazer você mudar de ideia. Consistentes em relação aos pensamentos
subversivos e ao agir como reflexo condizente com a “loucura e decadência”
interior.
Por fim advirto
que será um pecado você não ler este livro. Então, lembre-se:
O Salário do Pecado é a
Morte
Vai querer arriscar?
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