“Queremos
Aluízio em 70”
Walter
Medeiros*
Na
efervescência política dos anos sessenta, quando a disputa no Rio Grande do
Norte se dava principalmente entre os seguidores do ex-governador Aluízio Alves
e do senador Dinarte Mariz, firmava-se a preferência pela corrente democrática
e populista que garantira a eleição do Monsenhor Walfredo Gurgel para o Governo
do Estado. Havia uma sintonia que já levava às ruas uma palavra de ordem que
ganhava corpo junto ao eleitorado entusiasmado da corrente denominada de
“Bacuraus”, a qual dizia nos quatro cantos: “Queremos Aluízio em 70”.
Aquela
demonstração de desejo do retorno de Aluízio Alves ao Governo não era nada
contra o governo do Monsenhor Walfredo, mas a antecipação do que o grupo
político e seus seguidores desejavam. Ela vinha como resultado de um governo
que havia mudado o Rio Grande do Norte, estabelecendo modernas relações no
âmbito da energia elétrica, telefonia, habitação e outros setores de forma
nunca antes vista. Havia sido um grande salto para o nosso estado.
Lembro
bem do meu avô, Francisco Bezerra e minha avó, Dona Constância, caracterizados
do verde da Cruzada da Esperança e do retrato de Aluízio na oficina de arte
onde ele (meu avô) trabalhava. Do outro lado da minha casa, a minha tia,
Mariêta, que guardava orgulhosa um disco de 78 rotações com a Marcha da
Esperança e outra música, com Jackson do Pandeiro, enaltecendo Aluízio. O disco
ela deixou para mim e eu achei que ficaria melhor guardado no Memorial do
ex-governador.
Naquele
entusiasmo, ouvíamos Erivan França apresentando o programa “Falando
Francamente” na rádio Cabugi, início da noite. Não deixávamos de dar uma
passada e ouvir enraivecidademente Eugênio Netto fazer o seu programa na Rádio
Nordeste, com aquela característica que cantava “O velho tinha razão”. E a
síntese daquilo era meus parentes, entre eles Wellington Medeiros, meu irmão,
radialista, já na Rádio Cabugi, comentando o que diziam: que na fronteira da
Paraiba os paraibanos pediam que empresássemos Aluízio para mudar o estado
vizinho.
Era
a época em que os livros didáticos popularizavam o poema de Drummond que
anunciava: “Tinha uma pedra no meio do caminho”. Inesperadamente,
inacreditavelmente, supreendentemente, eis que vem a notícia de que os
militares haviam decidido cassar o mandato e suspender os direitos políticos de
Aluízio Alves e outros. Não sei e jamais saberemos o que o povo diria nas urnas
de 1970, mas aquele gesto de força, arbítrio e injustiça mudou a história do
Rio Grande do Norte. Calava-se o grito ensaiado do povo, que não poderia mais
dizer “Queremos Aluízio em 70.
Por
esses dias, a Câmara dos Deputados devolveu, simbolicamente, os mandatos de 173
deputados federais cassados ao longo de quatro legislaturas entre 1964 e 1977,
durante o regime militar (1964-1985). O presidente da Câmara, Marco Maia, disse
que a solenidade foi um ato que busca apagar a nódoa causada pelos gestos autoritários
que muito nos envergonham. Ele lembrou que os deputados cassados foram calados
não pelo debate, mas por imposição e força da ditadura.
O
presidente da Comissão Nacional da Verdade, ex-procurador-geral da República
Claudio Fonteles disse que o ato deve servir para “que nunca mais venhamos a
permitir que nossas divergências sejam decididas pelo arbítrio, pela
truculência e pelo desaparecimento”. Para a ministra da Secretaria Nacional dos
Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, a restituição
simbólica dos mandatos “é um compromisso para que jamais permitam que a
democracia, a justiça e a paz sejam aviltadas como foram no golpe de 1964”.
Ao
tratarmos aqui dessa realidade que havia no Rio Grande do Norte em meados dos
anos 60 pinçamos uma pequena mostra do que ocorreu Brasil afora. Os ambientes
políticos em que viviam 173 parlamentares, cujas palavras foram cerceadas,
cujas trajetórias foram violentamente obstruídas, contrariando a decisão antes
tomada pelo povo que os elegeu, foram todos mutilados. De todos esses tristes
episódios, restam, pelo menos, as lições. A cena que a sociedade desejava à
época jamais será recomposta. Entretanto, ficou comprovado que os canhões do
arbítrio deixam seus rastros de sangue, mas são derrotados e a democracia
ressurge mais forte.
*Jornalista
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