quarta-feira, 5 de dezembro de 2012



A mulher ruiva
Li ontem no Estadão crônica de Arnaldo Jabor a respeito da amante do seu avô. Ele e conheceu um dia quando o avô, tomando-o pela mão, caminhou em sua companhia à casa da mulher e pela primeira vez a viu: alta, muito branca, olhos azuis, ruiva, ela o recebeu com alegria, carinhos, um beijo e um grande abraço. 
http://bobagento.com/fotos-de-mulheres-ruivas/

Lembrava que naquele tempo a amante era uma espécie de instituição. Quase secreta, envolta em véus de discrição, oculta por brumas sociais espessas, ela circulava nos ambientes familiares apenas como nome mencionado às esconsas pelas esposas e demais mulheres da casa. Era sempre “aquela mulher”, “a outra” ou apenas “ela”, um fantasma moral jamais exorcizado, a assombração do recesso do lar.

O magnífico texto de Jabor é na verdade um passeio no tempo. Vai da infância do cronista aos tempos em que o avô e a amante, já então anciães, mal de reconheciam. Claro, chega aos tempos de hoje, quando o jornalista faz esse pequeno-grande exercício de memorialismo.

Entendi a crônica como um romance zipado tal o volume de emoções das vidas ali representados. A cena final, em que ele já homem acompanha o avô à última visita à antiga amante é digna de um filme: a mulher que fora fulva e linda, é agora uma velha atracada a uma tesoura, os cabelos ralos, brancos, lamentáveis. A tesoura é como a uma porta para o passado: ela a usa para recortar velhas revistas na busca por fotos de Greta Garbo ou Marta Rocha. O avô é um homem fixado na redução de sua aposentadoria, constantemente obcecado com a carteira: a qualquer momento a saca do bolso e conta as notas: temia ter sido furtado.

E a avó, que fazia de conta não saber do caso, é então uma velha que furiosamente se senta a um balanço, e com movimento rápido dos pés, dominada por uma espécie de raiva fumegante, se atira para frente e para trás quase como louca. 
É isso, é isso: 
quase como louca, 
quase como louca, 
todos somos loucos, 
vamos virar loucos.

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