A mulher ruiva
Li ontem
no Estadão crônica de Arnaldo Jabor a respeito da amante do seu avô. Ele e
conheceu um dia quando o avô, tomando-o pela mão, caminhou em sua companhia à
casa da mulher e pela primeira vez a viu: alta, muito branca, olhos azuis, ruiva,
ela o recebeu com alegria, carinhos, um beijo e um grande abraço.
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http://bobagento.com/fotos-de-mulheres-ruivas/ |
Lembrava
que naquele tempo a amante era uma espécie de instituição. Quase secreta,
envolta em véus de discrição, oculta por brumas sociais espessas, ela
circulava nos ambientes familiares apenas como nome mencionado às esconsas
pelas esposas e demais mulheres da casa. Era sempre “aquela mulher”, “a outra”
ou apenas “ela”, um fantasma moral jamais exorcizado, a assombração do recesso do lar.
O magnífico
texto de Jabor é na verdade um passeio no tempo. Vai da infância do cronista
aos tempos em que o avô e a amante, já então anciães, mal de reconheciam. Claro,
chega aos tempos de hoje, quando o jornalista faz esse pequeno-grande exercício
de memorialismo.
Entendi
a crônica como um romance zipado tal o volume de emoções das vidas ali
representados. A cena final, em que ele já homem acompanha o avô à última
visita à antiga amante é digna de um filme: a mulher que fora fulva e linda, é
agora uma velha atracada a uma tesoura, os cabelos ralos, brancos, lamentáveis. A tesoura é como a uma porta para o passado: ela a usa para recortar velhas revistas na
busca por fotos de Greta Garbo ou Marta Rocha. O avô é um homem fixado na redução
de sua aposentadoria, constantemente obcecado com a carteira: a qualquer
momento a saca do bolso e conta as notas: temia ter sido furtado.
E a avó,
que fazia de conta não saber do caso, é então uma velha que furiosamente se senta
a um balanço, e com movimento rápido dos pés, dominada por uma espécie de raiva fumegante, se atira para frente e para trás
quase como louca.
É isso, é isso:
quase como louca,
quase como louca,
todos
somos loucos,
vamos virar loucos.
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