Dormindo com a mulher de César
Nos áureos tempos gregos os
homens que tinham poder compareciam à praça, à ágora, para debater os destinos
da cidade. Eram a elite pensante e o poder econômico e político conjugados em
forma complexa. Em presença pública travavam os debates, erguiam a retórica,
consumavam seus pontos de vista a partir de um pensamento essencial: a virtude
guiava o discurso, voltado necessariamente para o bem-comum.
A virtude, entende?, era ao
mesmo princípio e fim da ação política, uma vez que do pronunciamento virtuoso
brotavam ações e gestos positivos que, por sua vez, admitindo-se a virtude como
essência daquela situação, gerariam uma sociedade melhor. Não sou tolo o
suficiente para admitir que o mundo grego fosse o ideal – eles eram uma sociedade escravocrata e
discriminatória da mulher e dos estrangeiros – mas, a partir da tese que exponho, quero dizer
apenas que o pronunciamento público buscava a elevação do homem virtuoso, mesmo
que isso fosse inatingível pela condição humana.
Então, saindo dos nevoentos
tempos da ágora, parece-me que não há homens virtuosos na política, pelo menos
não no sentido que deu abertura a este texto. O que prevalece é o sentido de
busca de poder pelo grupo que ocasionalmente tenha se reunido para fazer essa
investida: chegar ao poder em suas diversas manifestações e dali atender aos
interesses grupais.
Na eleição seguinte o grupo
pode estar desfeito e seus membros integrados a outras facções, atacando-se e
se interdenunciando.
O pronunciamento político distanciou-se
do sentido ético para aderir ao que prega e determina o marketing eleitoral;
não há sentido de coerência entre o que diz o político e o que pensa de
verdade. Vale o sentido de oportunidade, a “chance”, a esperteza, o lucro, a
política também como negócio.
É o que estamos vendo na
campanha eleitoral que ontem se encerrou. Os dois candidatos, no debate da
InterTV Cabugi, acusando-se mutuamente, cada um querendo se apresentar ao
eleitorado como aquele homem virtuoso que habitava os longínquos tempos da Grécia
antiga. Afinal, como diziam os romanos, não era suficiente que a mulher de Cesar
fosse virtuosa, ela precisava ter fama de ser virtuosa.
Os políticos seguem esse chavão.
Os marqueteiros, profissionais pagos a peso de ouro, se encarregam de vesti-los
com a púrpura da castidade eleitoral. Então, todos se apresentam como agindo em
conformidade com o Bem, voltados para a excelência moral, donatários de conduta
irretocável.
E o eleitor, mesmo após anos e
anos de viver esse espetáculo, simulacro, e encenação, torna às urnas e retorna
ao voto, encabrestado pela alienação ao que seja política e pela opressão do
voto obrigatório.
O discurso é pregação de uma
verdade postiça, mutável aos desejos e segundo a conveniência do momento. O político
deseja apenas ganhar, todos sabemos. As promessas, eles sabem, são irrealizáveis,
tal sua pirotecnia social e parcos recursos públicos. Mas ele insiste que sim,
que fará acontecer, e tem o óbolo do voto depositado nas entranhas eletrônicas da
urna. Assim, um deles vai ganhar.
E talvez, na emoção do discurso
de vitória, tenha a petulância de dizer que dormiu com a mulher de Cesar. E como
ela é virtuosa, a ele transmitiu, na troca de fluidos desse adultério cívico,
todas as suas qualidades morais. Tanto é que ele venceu a disputa: pudera, isso
foi resultado da fama de ser virtuoso.
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