sábado, 27 de outubro de 2012




Dormindo com a mulher de César
Nos áureos tempos gregos os homens que tinham poder compareciam à praça, à ágora, para debater os destinos da cidade. Eram a elite pensante e o poder econômico e político conjugados em forma complexa. Em presença pública travavam os debates, erguiam a retórica, consumavam seus pontos de vista a partir de um pensamento essencial: a virtude guiava o discurso, voltado necessariamente para o bem-comum. 

A virtude, entende?, era ao mesmo princípio e fim da ação política, uma vez que do pronunciamento virtuoso brotavam ações e gestos positivos que, por sua vez, admitindo-se a virtude como essência daquela situação, gerariam uma sociedade melhor. Não sou tolo o suficiente para admitir que o mundo grego fosse o ideal –  eles eram uma sociedade escravocrata e discriminatória da mulher e dos estrangeiros –  mas, a partir da tese que exponho, quero dizer apenas que o pronunciamento público buscava a elevação do homem virtuoso, mesmo que isso fosse inatingível pela condição humana.

Então, saindo dos nevoentos tempos da ágora, parece-me que não há homens virtuosos na política, pelo menos não no sentido que deu abertura a este texto. O que prevalece é o sentido de busca de poder pelo grupo que ocasionalmente tenha se reunido para fazer essa investida: chegar ao poder em suas diversas manifestações e dali atender aos interesses grupais. 

Na eleição seguinte o grupo pode estar desfeito e seus membros integrados a outras facções, atacando-se e se interdenunciando. 

O pronunciamento político distanciou-se do sentido ético para aderir ao que prega e determina o marketing eleitoral; não há sentido de coerência entre o que diz o político e o que pensa de verdade. Vale o sentido de oportunidade, a “chance”, a esperteza, o lucro, a política também como negócio. 

É o que estamos vendo na campanha eleitoral que ontem se encerrou. Os dois candidatos, no debate da InterTV Cabugi, acusando-se mutuamente, cada um querendo se apresentar ao eleitorado como aquele homem virtuoso que habitava os longínquos tempos da Grécia antiga. Afinal, como diziam os romanos, não era suficiente que a mulher de Cesar fosse virtuosa, ela precisava ter fama de ser virtuosa. 

Os políticos seguem esse chavão. Os marqueteiros, profissionais pagos a peso de ouro, se encarregam de vesti-los com a púrpura da castidade eleitoral. Então, todos se apresentam como agindo em conformidade com o Bem, voltados para a excelência moral, donatários de conduta irretocável. 

E o eleitor, mesmo após anos e anos de viver esse espetáculo, simulacro, e encenação, torna às urnas e retorna ao voto, encabrestado pela alienação ao que seja política e pela opressão do voto obrigatório. 

O discurso é pregação de uma verdade postiça, mutável aos desejos e segundo a conveniência do momento. O político deseja apenas ganhar, todos sabemos. As promessas, eles sabem, são irrealizáveis, tal sua pirotecnia social e parcos recursos públicos. Mas ele insiste que sim, que fará acontecer, e tem o óbolo do voto depositado nas entranhas eletrônicas da urna. Assim, um deles vai ganhar.

E talvez, na emoção do discurso de vitória, tenha a petulância de dizer que dormiu com a mulher de Cesar. E como ela é virtuosa, a ele transmitiu, na troca de fluidos desse adultério cívico, todas as suas qualidades morais. Tanto é que ele venceu a disputa: pudera, isso foi resultado da fama de ser virtuoso.

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