quinta-feira, 14 de junho de 2012

Candidato a vereador anuncia: Natal e todo o Estado serão transformados em gigantesco e formidável hospício

Fui procurado ontem em minha tipografia por um elegante corvo– informo que tipógrafo sou, tendo cumprido aprendizado com o mestre Gutenberg. 

Como cavalheiro elegante, aquele nobre homem vestia-se a caráter: fraque pretíssimo impecável, cartola e monóculo. Procurou-me para anunciar sua candidatura a vereador nas próximas eleições, garantindo que seu mandato muito enobrecerá a já muito nobre Câmara Municipal de Natal, este infeliz burgo.
http://arquivosdoinsolito.blogspot.com.br/2009/05/inteligencia-de-corvos-intriga.html
 Segundo disse, sua proposta gira em torno de dois projetos essenciais: a transmigração da ambiência legislativa e a transformação do Rio Grande do Norte em um hospício, onde, por efeito de alucinação midiática, todos os moradores serão felizes e viverão em paz e conforto.

Pedi-lhe explicação a respeito de tão doutas intentonas e mo explicou com graves ademanes jurídico-comunicacionais. Fiquei pasmo, como você, leitor deste pobre coranto, também o ficará. Eis o que me disse:

1)      Transmigração da ambiência legislativa é a nova doutrina jurídica a ser implementada por ele, quando eleito. Isso significa, explicou, que as leis que proporá terão âmbito ampliado para todo o Estado, deixando, portanto, de inscrever-se na jurisdição de Natal, disciplinando, assim, a esfera estadual;
2)    Isto feito, proporá a Lei da Alucinação Midiática e a imediata transformação de todo o Estado no almejado hospício.

Detalho agora: com a aplicação da doutrina da Transmigração da Ambiência Legislativa, e com sua vigência em todo o Estado, será determinada a criação do Hospício Único de Saúde. Com isso, todo o Rio Grande do Norte será cercado por altíssima muralha a fim de que nenhum, ninguém ou alguém possa escapar.

Isto feito, a propaganda oficial dos governos passará a ser a realidade oficial a ser aceita, proclamada e juridicamente imposta pela Lei da Alucinação Midiática.

Como todos estarão legalmente loucos, a alucinação será a verdade instituída e a ela todos estarão adstritos sob as penas da lei, penas essas que são: 1) Envio de todos os dissidentes a sala especial onde serão obrigados a assistir 24 horas por dia à propaganda oficial. 2) Os recalcitrantes serão lobotomizados. 3) E se mesmo assim os lobotomizados insistirem em que a propaganda oficial não é a verdade serão levados à pena capital. Após a execução, serão mandados ao Haiti, onde competente junta de feiticeiros os transformará em zumbis.

Somente após tal tratamento terão autorização para voltar a Natal ou, resistindo ainda, encaminhados a Hollywood a fim de que trabalhem em filmes de terror tipo “B”, proibidos eternamente de regressar à nossa cidade, então a mais feliz das metrópoles no mais feliz dos Estados.

A transmigração da ambiência legislativa, garantiu-me o corvo, será a maior prestação de serviço que a Câmara Municipal de Natal prestará ao infeliz Estado do Rio Grande do Norte, dentre tudo o que já fez de bom e de justo.

Ao perceber que ele me parecia um homem completamente louco, o corvo anunciou que, para cumprir seus intentos, conta com o magnífico apoio de grupos de pressão, cuja presença financeira garantirá que venha a ser eleito.

Argumentando em favor de suas pretensões disse, teorizando: “A realidade é complexa. Nela coabitam a realidade mesma, aquela onde estamos inseridos, e a realidade virtual, aquela dos anúncios. E sendo esta parte daquela, é realidade em si, uma vez que a propaganda nada mais é do que a simbolização do real. Ou seja: é verdade que a propaganda existe e, existindo dentro do real, é o real que deve imperar e orientar, viger e ser vivido.”

Quando argumentei que isso é loucura, rebateu: “Mas a loucura, a alucinação, será o real vivo. A alucinação que proponho será a realidade; realidade invertida, mas realidade vigente: portanto, a realidade melhor. E como quero o melhor para o povo, de Natal e do Rio Grande do Norte, devemos escolher o melhor: a loucura será esse melhor. E como todos os loucos devem ser confinados a bem da ordem pública, o Estado será elevado à condição de hospício, já que os loucos não podem ser soltos sob risco de graves transgressões, não concorda?.”

Dito isto, bateu asas e voou.

Tentei voltar a trabalhar, não consegui. Com muita dificuldade consegui compor este coranto. Por momentos temi pela minha sanidade mental. Teria eu visto mesmo um corvo em minha tipografia? Teria mesmo aquele elegante cavalheiro comparecido com tamanhas proposituras?
Então, liguei a TV e vi um anúncio oficial, garantindo que tudo está bem e que nossa realidade é a melhor, no melhor dos mundos.

Não, concluí. Não estou louco: o plano do Corvo é que já está em ação. Há muito tempo.  Eu é que não havia percebido...








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