terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Alberany, o abominável, recebe dura punição do povo (O leitor precisará ler o capítulo anterior para compreender este capítulo)

O santo que caiu de uma árvore 

Após escapar do cárcere à testa de uma récua de indivíduos péssimos e de haver recolhido dinheiro de tolos que nos supunham santos homens dedicados ao bem e à temperança, dirigi-me com meus patifes a uma taberna onde gastamos à larga. Ali também chegou um sério e bom eremita que tentou fazer a nossa denunciação, mas foi por nós posto abaixo com vigoroso golpe na cabeça. 
http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=777

O bondadoso homem, todavia, transformara-se ao receber o ataque. Alguma coisa mudou em si devido àquele golpe. Assim, ao acordar, em vez de defender a paz e o bem, os bons ajustes e as cousas calmantes, deu mostras de que se tornara um bandido e um velhaco, portanto igual a mim e aos meus demais e nisso achamos muito gosto.


Ao acordar gritou impropérios e disse que queria falar com o chefe daquela caterva e me apresentei. Eis o que me então propôs: levar adiante grandes planos salafrários. Então, meu amigo, aquele que estivera comigo na masmorra, apresentou uma ideia logo por nós aprovada. Para levá-la a cabo eram precisas redes, dessas de pesca, e logo as adquirimos. Caso o plano desse certo teríamos dinheiro e tudo o mais até o fim dos nossos dias. 
http://www.google.com.br/imgres?q=multidoes+sec+17


Veja, ínclito leitor, o que aconteceu: meu amigo já havia ganho garrafas de bebidas do carcereiro dizendo que estas serviriam para os santos e os anjos que nos últimos tempos se davam à bebedeira, a fim de pelo álcoos ampliar seus altíssimos pensamentos. Agora, todavia, diríamos ao povo que tais e excelsas criaturas davam-se ao "lamentável vício do álcool" e que nós - os farsantes, os periculosos -, éramos os novos santos e todos nos deviam dar óbolos. 


Mas, antes, seria preciso que todos nos ajudassem a capturar com as redes os santos e os anjos beberrões, a fim de metê-los e ferros em profundas masmorras. E enquanto isso não acontecesse, a captura de algum ser celestial, a população deveria nos conferir dízimos, a fim de garantir aquela grande campanha: verbas para a construção da cadeia dos santos e dos anjos.


Então partimos para as ruas, cada um levando ou um saco para pedir dinheiro ou uma rede para prender um santo. Eu gritei: "Ó boas pessoas, ajudai-nos nesta faina! Eis que santos e anjos estão dados ao vício do álcool e estão em desgraça e decaídos! Sejam eles presos e agrilhoados e subiremos nós, homens justos e readores, à condição de santos e de anjos! Somos os novos santos e anjos."
http://www.google.com.br/imgres?q=multid%

Um bobo perguntou: - Sois os novos santos e anjos? - a isso respondemos "sim" e mostramos cruzes e objetos santos e todos acreditaram. 


E começamos a jogar as redes para o ar e a pedir dinheiro aos tolos. E dinheiro se deu em grande profusão. Mas as redes não capturavam santo algum, anjos menos ainda. As pessoas já começavam a desconfiar daquela bazófia quando uma rede foi para o alto atirada e pegou alguma coisa, que veio abaixo, enredada.


Rápido, meu amigo gritou: "Pegamos um santo! Pegamos um santo!" - todos acorreram para ver um santo pela primeira vez. Na verdade, era o seguinte: a rede havia se prendido aos galhos de uma árvore, onde se escondia um indivíduo ordinário. Um reles ladrão de galinhas, que fugira da multidão ao raiar do dia quando estava metido nos fundos de uma casa a furtar. Ao ser visto subira na árvore; e nosso alarido o estava beneficiado pois dele desviara a atenção. 

http://www.google.com.br/imgres?q=santo+prociss
Agora estava ao chão e todos gritavam "pegamos um santo". Um dos nossos logo se exarcebou: "Vamos justiçar este maldito santo! Tem-se dado ao vício do álcool! Vamos punir este santo dos infernos! Bebe vinhos com o diabo! "

E a multidão: - Óóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóóó´!!!!
E alguém grutou: - Este santo é um procrastinador - e a multidão repetia: - Procrastinador! Procrastinador! Santo procrastinador, dado à prática de atos abomináveis!

Algum do povo urrou: - Meu Deus, este santo é um procrastinador?

Todos gritaram: - Sim! Sim, ele o é!!!


Então alguém perguntou que pecado era aquele, "procrastinador". Ninguém sabia, mas devia ser cousa séria e de muitos maus ditames. E isto posto partiram para cima do santo, a surrá-lo: "Santo procrastinador! Maldito seja um tal santo! 

Em meio à confusão meus asseclas pediam mais dinheiro, explicando que além da construção da prisão para os santos era preciso pagar os advogados que iriam acusar aquela santo de alta traição sacramental. E o dinheiro jorrava.


Aí algo aconteceu: o indivíduo, que conforme eu disse, era um finório, mostrou toda a sua aptidão. Erguendo-se num salto contra-atacou: sua roupa negra, seu chapelão de abas, o cajado e sua altura imponente o fazam temível. E percebendo ser chamado de "santo", tendo a multidão aparentemente esquecido que era um biltre e ladrão de galinhas, eis o que fez o pelintra, quando disse:

- Ó fiéis seguidores do bem e dos leais sentimentos; morígeros servidores da temperança. Eis que me encontro aqui em viagem de observação desta mundo tão vão e tão sofrido, quando sou alcançado por rede infame e que me aperta. E assim me dizem santo decaído e mau ente celestial, dado a bebedeiras - ao ouvir tais palavras a multidão silenciou e mostrou respeito. Comecei a ver que estava metido com salafrário igual a mim e dele me atemorizei, pois percebi onde queria chegar.


Ele continuou: - Destarte, digo-vos que sois vítimas de insolente grupo de malvados, homens sem lei e sem registro, que se apoderaram de minha pessoa celestial e agora querem me pôr a ferros e me entregar a Hedores. 

A multidão horrorizou-se: - Hedores? Querem entregar o santo a Hedores?

- Sim, sim - respondeu o detestavél elemento - Serei entregue eu àquele ímpio e serei decapitado! - a multidão arregalava os olhos. Iam matar um santo! E um santo morto pelas mãos de Herodes!


- Assim - continuou o falastrão - promovo a consigna de que devereis libertar-me e pôr a ferros os malditos que me aprisionam. E dai-me também todo o dinheiro que recolhestes. E bestas de carga e  um bom cavalo, que retornarei à Terra Santa para adorações e outros gestos pios. 


Foi o suficiente. O povo juntou-se raivoso e nos atacou. O velho anacoreta que me havia incentivado àquela loucura partiu em rumo ignorado, escapando por pouco de ser morto. Eu atirei-me a correr sob chuva de paus e de pedras, e o farsante que me vinha acompanhando perdeu-se nos profundos de uma floresta. Neste momento encontro-me no lombo de um bom cavalo e busco apenas salvar a vida.
(Continua)

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