quinta-feira, 4 de agosto de 2011

 A esmola dos pobres e o dinheiro dos santos

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Fui ontem procurado por amigo já entrado em anos. Oiten'anos, mais precisamente. Mesmo assim, forte como um lajedo. A principio não o reconheci: vestia-se como Antônio Conselheiro e estava à frente de uma grei de maltrapilhos. À minha aparição, convocou-me a nobre e ingente missão: iniciar uma pia caminhada tirando esmolas para os pobres e para os santos. Aos pobres se daria pão e aos santos se acenderiam velas com o dinheiro arrecadado. Como ainda tenho uma chama de loucura em mim, atendi ao chamamento e uni-me àquele bando.

"Sairemos pelas ruas cantando benditos e exclamando louvores, erguendo pregações e fazendo rezas fortes", disse, para acrescentar: "Tome este bisaco, que é onde você guardará as esmolas que receber." Pus o saco às costas e saímos. O amigo à frente cantando "Queremos Deus, homens ingratos" e a multidão repicando em coro. Passamos o dia nessa luta até que ao entardecer tínhamos para mais de dez arrobas de moedas em nossos embornais. 

Compramos muitas velas e se distribuiu o pão-dos-pobres. Fomos para a frente de uma igreja e ali acendemos centenas de velas tendo ao centro enorme círio , tudo isso iluminando a noite em meio a orações e fervores, cantatas e exortações ao bem e repúdio ao vício e ao pecado. De repente, apareceu um outro homem assemelhado ao Conselheiro e gritou a todos: "Aleluia, irmãos!, aleluia!". E todos responderam "aleluia!", e criou-se grande falariço. Diante disso, meu amigo se aproximou e pediu explicações ao que o outro retrucou: "Vim em boa paz, mas preciso do seu povo para uma grande jornada de orações e milagres. Por quanto você vende, ou pelo menos aluga, a sua gente?"

Meu amigo, vermelho, reagiu prontamente: "Esse povo não é de aluguer. Estamos aqui por fé e somente pela fé estamos aqui. Não acato compromisso, não aceito subornação e esconjuro teus malsinados."

Mas umas pessoas haviam ouvido a história e começou um trovejo de vozes querendo se vender e bandear para o lado do outro Conselheiro. E logo pularam para o lado dele e disseram que já haviam pedido muita esmola e que pão é pouco para o homem e que o cheiro das velas queimando estava insuportável. E assim foi dito e destarte foi feito. Meu amigo ficou só, parado no meio da praça, apenas eu a seu lado. Todos partiram com o pregador peculatário.

Aproximei-me dele e chamei-o a ir para casa. E aí ele me disse: "Ao que eu não dou jeito eu não choro. Mas minha fé é inabalável. Amanhã mesmo partiremos em nova jornada."

"Nova jornada?", quis saber: "Vamos fazer o quê, já que o povo o abandonou."

"Amanhã", disse-me ele, "iniciaremos augusta peregrinação a Portugal. Dizem que D. Sebastião foi reencontrado e voltará para a salvação de todos.Vamos."

Devo informar que sou portador de louca lucidez. Neste momento estou arrumando malas. Vou partir para Portugal.

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