domingo, 1 de maio de 2011

O Espião da Pérsia

Nesta noite 1º maio de 1735 fui procurado por um Grão-Predecessor. Grãos-Predecessores são, como se entende pelo seu nomear, facundos e íngremes, o que pouca cousa não o é. Falou-me de atos e fatos e outros sucessos. Todos graves. Disse-me que vinha a cumprir missão de alta voluta e apurar denúncia: seria eu espião a serviço da Pérsia. Defendi-me dizendo que sou apenas um tipógrafo, nada entendendo de tão perigosa arte e seus intentos normalmente sinistros. 

Mas o Grão-Predecessor insistiu que sou espião a serviço da Pérsia, apresentando como prova uma série de corantos por mim impressos. Na verdade, refutei, aqueles papéis nada mais eram que relatos de acontecimentos fabulosos: aparecimento de dragões em eras já tardias, premonições de sibilas, nascimentos de grifos, ataques de súcubos e de íncubos, possessões e mistérios de arte ignota. Com isso queria eu dizer: apenas tratava de coisas do imaginário, coisas que as gentes comentam e temem. Só isso.

Foi pior: para o Grão-Predecessor, isso apenas confirmava ser eu atento e devoto a sucessos tremendos que podem levar os incautos homens simples à sedição e outros gestos de ataque, obstruindo o viver diário calmo e são. E assim sendo, comprovava-se: era eu espião a serviço da Pérsia. 

Deu-me, todavia, o benefício da dúvida, desde que provasse, pelo que estivesse a imprimir naquela hora, cousa boa e de sóbria eficácia. Levei-o à minha oficina e ali mesmo fiz rodar a prensa e eis o que leu o Grão-Predecessor: "Anuncia-se que haverá o mundo de ver cousas mais e mais terríveis do que até hoje tem sido visto e acatado como normal e necessário. As novas dizem que haverá mais fogo que nunca e uma futura pólvora chamada de explosão nuclear, que poderá destruir o mundo mil vezes, mil vezes seja ele refeito. Grandes pássaros de ferro voarão os ares e como nas previsões avoengas haverá choro e ranger de dentes."

O Grão-Predecessor, ao ver tais e tamanhas previsões, assumiu postura hierática e disse-me estar ali a prova do meu crime. Insisti em defender-me e disse que esses futuros e presumidos sucessos eram apenas o resultado de sonhos de um velho adivinho, supondo eu que se tratava, tão-somente, de cousas loucas, típicas de velhos adivinhos, prestas a encantar o fabulário popular e curto de pensar. Eu o ouvira em suas fabulações e resolvera por publicar, a título de curiosidade. Somente isso.


E tanto insisti e tanto neguei as provas contra mim, que o Grão-Predecessor afinal manifestou boa disposição, afiançando que as acusações seriam retiradas. E foi-se. Quando saiu, respirei aliviado. Especialmente porque, digo ao leitor, sou realmente um espião da Pérsia.




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