sexta-feira, 21 de maio de 2010

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Televisão, câncer e um traficante morto em confronto com a polícia
Emanoel Barreto

Como todo dia ela saiu de casa para trabalhar. Diarista, Maria passava o dia todo fora, somente voltando ao cair da noite. Chegando em casa, deu por falta do televisor. Velho, imagem em preto e branco, antena cheia de buchas de bombril. Como alguém iria roubar aquilo? Mas roubaram. O tempo fechou, choveu, a noite cobriu tudo.

De sua casa,  no escuro, Maria viu, do outro lado da rua enlameada, que na casa de Dona Quininha estava clom TV ligada. Mas Dona Quininha não tinha televisão. Aquele miserável mistério foi logo resolvido. Maria correu até a casa da velha. Na sala, ela via novela. E a TV era a TV de Maria.

- Dona Quininha, o que é isso?
- É a sua televisão, minha filha. Mandei roubar.
- Mandou o quê?
- Roubar. Não tinha televisão em casa, nem dinheiro para comprar, mandei roubar.
- E quem...
- Roubou? Meu filho. Josedéquio. Ele até hoje só me deu tristeza com roubos, droga e brigas. Assim, pedi a ele para fazer um roubo bom. Um roubo do bem.
- A senhora chama a isso de roubo do bem?
- Sim...
- Não!
- Sim...
- Não!
- Sim, porque ele roubou a televisão para mim, que estou doente de câncer e devo viver no máximo mais um ano, no máximo. Como estou desenganada, pedi a ele um presente e o presente foi sua televisão. Ele nunca tinha me dado um presente. Agora eu tenho o que fazer, enquanto espero a morte.
- Mas, a senhora não sabe que roubou apenas a minha TV.
- O que mais eu lhe roubei?
- A senhora roubou todos os meus amigos: os atores das novelas, os jornalistas, o povo das propagandas, os apresentadores dos programas de domingo. Eu perdi meus amigos, entende?

A confusão, todavia, não rendeu muito. Acabou-se logo que Maria concordou em ficar, toda noite, assistindo TV na casa da velha senhora.

Uma noite, a novela em cena tensa. De repente o programa é suspenso para edição extraordinária do Jornal do Povo: era anunciado que o perigoso traficante Josedéquio Silva Lima, conhecido como Francão, havia sido morto em confronto com a polícia.
Maria ficou parada, trêmula. Dona Quininha, gelada.
Pouco depois o televisor pifou.
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