domingo, 10 de maio de 2009


A morte do guerreiro
Emanoel Barreto

Morreu hoje, sem que houvesse aviso fúnebre, o semanário O Poti. Em seu lugar, a marca Diário de Natal. Na verdade, o Poti era o mesmo Diário, só que com outro nome, já que não mudava a diagramação nem apresentava matérias em profundidade, que marcam um semanário.

Mas a marca, o nome-de-jornal O Poti nos levava às nossas tradições mais profundas, ao apego telúrico, lembranças de um tempo arcaico e heróico. O tempo em que o guerreiro Felipe Camarão, o Poti, ao lado da mulher e heroína Clara Camarão dava combate aos holandeses.

Acho que não se brinca assim com os símbolos que fazem parte da vida de um povo. Jornais, de alguma forma, mesmo com a redução de leitores do jornal impresso, fazem parte da vida de uma cidade, são seu reflexo. E, mesmo tendo conteúdo ideológico conservador não-declarado, escondem, lá no fundo, a alma da sociedade sobre a qual se remetem.

Lamento pela morte d'OPoti. Era a leitura preferida do Meu Pai e eu o acompanhei. Trabalhei no Diário e fiz muitas matérias para O Poti. Isso faz parte dos meus afetos jornalísticos. Foi n'O Poti que publiquei texto de página inteira, dia 13 de outubro de 1981, em matéria magistralmente editada por Vicente Serejo e Enéas Peixoto, diagramador imbatível.

A matéria era uma carta ao papa João de Deus, intitulada "Beatíssimo Papa". O sacerdote estava em visita a Natal. Ali eu fazia um resumo da história da cidade e sua tradição católica. Falava do povo, sua fé cristã e, lá para as tantas, me referia também à beleza e sensualidade da mulheres. E lembrava que, belas como eram, não deveriam ser recriminadas em sua candura faiscante nas praias. Pois eram, em razão mesmo de tal beleza, expressão viva de Eva. E, portanto, filhas também de Deus, que as havia criado a todas, seminuas e lindas.

Por motivo dessa carta recebi do Vaticano carta assinada pelo monsenhor C. Seppe, assessor direto de João de Deus. Ali, agradecia e enviava bênção do Papa para mim e minha família.

Hoje, com O Poti morto, e o Diário reduzido a condição de tablóide, somente tenho a lamentar. Não gostei da feição gráfica. A tipagem escolhida para os textos não é a mais apropriada. A letra dá ao jornal uma feição chapada e dificulta a leitura. Faltam as colunas, falta a cara de Natal.
Lamento, lamento muito. Mas, consumatum est.

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