Caras Amigas,
Caros Amigos,
Nesses meus mais de 30 anos de jornalismo, uma coisa sempre me impressionou na imprensa: muitas vezes, quando alguém morre, alguém que os noticiários entendem como sendo pesssoa importante, a cobertura do falecimento é muito maior do que se dera a tal pessoa quando em vida. A morte da antropóloga Ruth Cardoso é um caso típico.
Primeiro, porque ela não era tratada pela imprensa como antropóloga, alguém com alto nível intelectual e acadêmico, mas como "primeira dama" e agora "ex-primeira dama". Segundo, porque, mesmo quando ainda não fora primeira dama, desconheço qualquer ênfase em sua presença na vida pública nacional. Nenhuma matéria em que falasse a respeito de assunto ou tema relevante ou fosse chamada a comentar fatos de destaque.
Agora, quando morre, as coberturas chegam a ser lamuriosas e mostram o ex-presidente Fernando Henrique lacrimoso, olhar abatido, semblante de dor. Sei que o jornalismo se baliza por enfoques que dizem respeito a atores sociais relevantes, autoridades pelo cargo que ocupam ou por domínio científico, artístico ou empresarial, para ficarmos somente por aqui.
O problema do jornalismo, em referendar acontecimentos de peso gera essa distorção: como ela era, além de intelectual reconhedica internacionalmente e casada com político de renome ganha essa cobertura. Mas, em vida, insisto, pouco espaço ocupou. A noticiabilidade (potencial que alguém tem de ser notícia) a seu respeito em tipo low profile, ou seja: baixo perfil. Não se inseria à tensão jornalística e assim ela era um ator secundário na vida nacional, perante o jornalismo. Mais claramente, ela não gerava assuntos, acontecimentos que atraíssem para si câmeras e texto. Como não havia expectativa, inexistia noticiário.
Agora, morta, ganha destaque: é o velho enfoque do dado humano; o marido choroso, que ao fim de um longo casamento, encara o desenlace do seu tempo de casado por efeito da morte da companheira. E isso dá notícia. Para o chamado grande público, ela era, antes disso, literalmente desconhecida. Agora, morta, torna-se famosa pelos quinze minutos da dor espetacularizada.
Emanoel Barreto
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