Caros Amigos,
As coisas de jornal têm possibilidades múltiplas, ampliando seu leque de abordagem, dando curvas na comunicação. A depender da notícia ou reportagem, as coisas da vida, como o título de um filme, de um livro ou de uma canção, um ditado popular ou algo assim, podem perfeitamente se encaixar no espírito da matéria.
Por exemplo: certa vez, ao fazer uma reportagem sobre depressão, titulei o texto com o seguinte verso de Chico Buarque: "Tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu." Percebe? Isso dá mais força ao texto, uma vez que remete o leitor a uma circunstância já experienciada, que foi o contato prévio com a composição famosa de Chico e a situação cinzenta de quem esteja passando por uma depressão.
No caso das charges, como essa de Ique, acima, publicada hoje no JB, temos exemplo claro de como uma determinada manifestação jornalística pode ir além daquilo que dela se espera comumente, e partir para angulações outras.
Comumente a charge é irônica, marcadamente política, tem cunho opinativo e, portanto, editorial. Acontece que charge, por isso mesmo, é um a visão de mundo, uma contemplação que, sendo irônica, não deixa de ter seu conteúdo trágico, uma vez que deplora sarcasticamente a miséria humana na gestão dos negócios da política e do governo. E, sendo visão de mundo, pode alentar-se a abranger outros significados, tratar de outras pulsações do humano gesto nesta vida louca e bela, triste e ao mesmo tempo magnífica.
Ique utilizou o espaço da charge para, vamos dizer assim, uma reflexão sobre a condição humana: um jogador de futebol, rico e famoso, ainda em condições de desfrutar de suas condições de atleta, de repente vê-se lançado ao escanteio da vida, durante uma jogada infeliz. Mais uma, em sua atribulada carreira de quedas e contusões.
Ique conseguiu, com vigor incomum, captar o sentimento de Ronaldo a partir de imagens da TV que o mostravam cabisbaixo, as muletas conduzindo, trôpegas, os pés de quem um dia já foi o melhor do mundo. Veja o traço, perceba o sofrimento que a imagem transmite. E o detalhe: junto ao rosto do jogador, três tracinhos dão o toque que expressam a sua dor. É a vida cabisbaixa e o homem sucumbido a ela.
Tudo parece ser o indício do fim. E reconfirmo: tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu.
Emanoel Barreto
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