segunda-feira, 16 de outubro de 2006

O marketing político como farmácia magistral

No início do século passado,o receituário médico era levado às chamadas farmácias magistrais. A designação pomposa, imperativa, solene em sua enunciação, indicava que a receita, em seu potencial curativo, quase mágico, passaria por mãos adestradas e devotadas ao fim dos males que afligiam o sofredor doente.

Os farmacêuticos manipulavam as fórmulas miraculosas, que em seu esoterismo químico, no ambiente segredual e oculto do austero laboratório, eram como poções que logo depois deveriam ser unicamente sorvidas, ritualmente utilizadas, vindo afinal a cura, a libertação do sofrimento, do medo, da dor.

Não cabia ao paciente saber o mistério, a aura que cercava o pequeno frasco que continha literalmente o seu regresso à saúde. Não havia bula. A fé guiava todo o pvocesso.

Se formos traçar um paralelo entre as farmácias magistrais e o marketing político, encontraremos alguma proximidade. Para o político, o marqueteiro e sua equipe de redadores, diretores de arte, pessoal de estúdio de TV (esse muito especialmente) e de internet, formam como que uma farmácia magistral de campanha.

É dessa farmácia de formulação de símbolos que, espera o político, deverá sair a fórmula mágica, o filtro salvador de sua imagem, a pavimentação de sua campanha rumo à vitória.

É dessa farmácia de efeitos midiáticos que brotará para o público a visão de que o candidato é puro e reto em suas intenções, ítegro em seus princípios e apto ao exercício do cargo pelo qual luta.

E o adversário, esse ser perigoso e terrível, deve, isso sim, ser temido pelo povo como se fora o mal a ser previamente afastado do corpo social pela vacina do marketing. Para tanto, basta votar naquele que é digno e justo e o povo será feliz. Simples assim.

As farmácias magistrais da política estão, neste exato momento, trabalhando com vigor e decisão para seduzir o povo a escolher entre Lula e Alckmin. Temos, na verdade, dois homens, com todos os defeitos e virtudes comuns a toda a humanidade.

Sei que a visão do parágrafo acima é simplista em sua formulação. Na verdade, tenho consciência de que pratico um reducionismo. Mas esse raciocínio tem um sentido. Explico: ambos estão manipulando suas fórmulas simbólicas para se apresentar não como homens,mas como líderes, seres olímpicos, isentos de erros e dúvidas,e de que em seus governos tudo será modificado. Estão sendo elevados da condição de homens ao estatuto de demiúrgos. E isso não é verdade. Estão ambos blefando, para dizer o mínimo.

Eleito, um ou outro não poderá fazer tudo o que prometeu: seja em função das limitações que terão necessariamente a que se curvar, como alianças para dar governabilidade ao País, seja em função de fatores estruturais.

É preciso entender que o próximo governo terá grandes desafios na área social, na segurança, na seguridade social, no relacionamento internacional, na defesa do ecossistema, no enfrentamento ao capital, especialmente o capital financeiro. A lista seria casuística e quase interminável, tantos os desafios.

Acreditar radicalmente que um ou outro será o salvador, o portador da formulação magistral, ou é radicalismo cego ou ingenuidade de quem bebeu sem pensar a formúla da farmácia do marketing da sedução.

Creio que a ponderção seria o melhor caminho para uma decisão de voto. Tenho a suposição de que Lula, como já afirmei em artigos anteriores, seria aquele que, apesar de tudo o que temos visto em matéria de corrupção em seu partido, seria o nome a ser escolhido. Remeto-me ao seu passado para manter minha nesga de confiança.

As farmácias magistrais já se perdem no tempo. E os líderes, como em todas as épocas históricas do que chamamos de civilização, foram sempre homens, apenas isso, homens. E nenhum deles logrou levar adiante, mesmo os mais sinceros, as realizações inteiras de seus melhores e mais bem intencionados propósitos .

E ao povo, no fim, sobram apenas o panis et circencis; afora o repertório de dor e dúvidas que sempre habitaram a vida do povo, de todos os povos, em todos os tempos.

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