domingo, 30 de julho de 2006

A liberdade é secreta

“Domar o tempo não é matá-lo, mas vivê-lo.”
Afonso Arinos de Melo Franco

A liberdade pode ser obtida como sucesso e resultado de uma grande passeata, um protesto, uma revolução. Mas essa é a liberdade política, aquela que substitui uma forma de convivência coletiva legislada, por outra, de interesse da maioria que agiu em conjunto, na busca de uma nova realidade.
A liberdade a que me refiro, entretanto, é uma forma pessoal e íntima de ser. A descoberta de um caminho bem próprio, geralmente incompreensível para quem está adaptado à liberdade comum e convencional.
O burocrata que respeita seu expediente é livre porque obedece; o magnata que controla milhões de dólares e milhões de pessoas pelo mundo afora é livre porque tem poder. Ambos são, entretanto, escravos: um, do seu expediente; outro, da implacável rotina, da obrigação de, diariamente, ganhar mais e mais. São somente dois exemplos, mas creio que a regra se aplica a qualquer atividade.
Somos todos escravos no instante mesmo em que, imersos e presos a convicções de realidade, não entendemos que nossa realidade é apenas parte do nosso ser, existir e estar no mundo. É claro que o burocrata pode ser livre, mesmo obedecendo. Basta tomar consciência de que aquilo que faz é apenas um dado de vida. No instante em que se voltar para o seu interior, poderá começar a descobrir os caminhos da liberdade secreta.
Não sei se o mesmo vale para o magnata. Lembremos que o dinheiro é um senhor poderoso. E quem o tem, quem o tem em grande quantidade, passa a ser apenas seu guarda, um vigilante eterno de sua fortuna. Dificilmente terá condições de caminhar pela liberdade secreta.
Construímos uma civilização baseada no ter, não no ser; erguemos um mundo onde os esquemas de pensamento, a organização, o resultado, se sobrepõem à serenidade, ao respeito, à reflexão.
Vivemos um processo em que o indivíduo é sempre chamado, seduzido, convidado a se unir à massa, seguir sem pensar aquilo que lhe é determinado. E quanto mais se confunde com o todo, mas se lhe diz que é livre: livre para escolher uma marca, livre para se vestir com as roupas que estão na moda, livre para ficar preso a um canal de TV, livre para isso, livre para aquilo, livre para aquilo outro, livre para... basta.
A liberdade é secreta. Ela é silenciosa e existe para quem pára, quando tudo diz que se deve andar.
A liberdade é secreta. Ela é calma, e existe para quem sabe olhar ao lado e ver que pode tomar um caminho estreito, mesmo que à beira de um penhasco.
A liberdade é secreta. Ela não precisa de gritos, pois é um chamamento à paz.
A liberdade é secreta. É secreta mas nada esconde, pois se abre aos olhos de quem não precisa de olhos para ver.
A liberdade é secreta. Mais pode ser encontrada na dor, que na explosão da alegria comprada; na perda, que no ganho desvairado; no silêncio, que nos brados; nas pequenas realizações do dia a dia, que nas torres falsas das grandes cerimônias.
A liberdade é secreta.
A porta está à sua vista.
Pode entrar.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Barreto, de volta! Que bom! Seus escritos sempre trazem um alerta, um conforto, uma alegria ou mesmo uma esperança... Esse texto foi muito direto aos meus anseios, a minha liberdade: basta ultrapassar a porta... um abraço da leitora e amiga Zilda