quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Quando o jornalismo usa a dor como espetáculo

A notícia abaixo foi publicada no Estadão e revela como o jornalismo, enquanto técnica redacional, sucumbe, pela pressa na informação, à indiferença ao drama humano. E assim, limita-se a reportar algum acontecimento pelo ineditismo, estranheza do fato ou peculiaridade sensacionalista, sem levar em conta valores como sensibilizar-se com o drama alheio. Leia:

"SÃO PAULO - Os meninos britânicos Layton e Kaydon Richardson são, de fato, o caso de uma chance em um milhão: segundo médicos, essa é a probabilidade de irmãos gêmeos terem cores de pele diferentes. As crianças nasceram em 23 de julho, mesmo dia em que a mãe, Kerry Richardson, de 27 anos, casou-se.

"Quando nasceram, eram praticamente da mesma cor", disse a mãe ao The Journal, periódico da região de Newcastle, da Inglaterra. "Mas, nos últimos meses, Layton ficou mais loiro, como o pai, e Kaydon, escuro como eu". Kerry tem ancestrais nigerianos. O pai é branco, mas não mantém mais contato com a família."

Percebe-se claramente, pelo texto curto, que o objetivo é unicamente mostrar o inesperado, colocando na última linha que "o pai é branco, mas não mantém mais contato com a família". Existe aí um caso claro de abandono de mulher e filhos à própria sorte, afora o fato de interesse científico.

Em ambos os aspectos a falta de profundidade, a inexistência de interesse humano em torno do assunto fica à mostra. O jornalismo, em nome de trazer informações de fácil compreensão a um público difuso, optou, especialmente nos últimos anos, por desfazer-se de um trabalho textual mais aprofundado, estilisticamente apurado.

Uma ação estilística mais elaborada, além do fator estético redacional, traz na raiz do texto o sentimento de solidariedade do jornalista. Isso é facilmente percebido pelo leitor. Não precisa nem deve ser piegas, mas se o jornal trata de fatos em que o ser humano é literalmente o centro, deve também o repórter mostrar-se humano o suficiente para poder perceber a dor e a situação do outro antes de trazer a público, no texto, a condição humana como espetáculo a ser visto de longe.

Nenhum comentário: