domingo, 22 de outubro de 2006

"O ocaso dos bárbaros"

"A história dos grandes
acontecimentos do mundo não
é mais do que a história dos seus crimes"
Voltaire

O título que uso neste artigo é o mesmo de um velho filme a que, por algum motivo, nunca assisti - apesar de ter sido imensa a vontade. A fita foi exibida ao longo de alguns dias dos anos 1960, no velho e hoje inexistente Cinema Rex, em Natal. Os descaminhos da memória guardam, com carinho alentado, essas recordações de um menino que acreditava haver no mundo lugar para a vitória do Bem. E, na tela do cinema, o Bem sempre vencia.

Mas voltemos ao filme: pelos cartazes que o cinema exibia, mostrando algumas das suas cenas, havia homens recobertos por peles de animais e armados com arcos e flechas. Eram os bárbaros. Seus adversários seriam certamente os romanos, para os quais todos os demais homens eram "bárbaros" pela simples condição de não haver nascido em Roma.

Dá até vontade de continuar nesta divagação, lembrando meus velhos tempos jovens, falar sobre os filmes seriados, onde o Zorro enfrentava inimigos terríveis; e um chinês malévolo, chamado Fu Man Chu, chefiava um grupo de fanáticos - também chineses - com o objetivo de... nem-mesmo-sei-o-quê... - mas era algo como dominar o mundo, controlar as pessoas, essas coisas...

Mas o que quero mesmo, ao falar de império, é fazer referência ao magnífico texto do jornalista Mauro Santayana, "O manual do declínio", publicado pelo jornal do Brasil, na coluna Coisas da Política.

Ali, com seu estilo primoroso, precioso para quem sabe sorver o prazer de um grande texto, Mauro Santayana analisa, dentro do limitadíssimo espaço de uma coluna de jornal, as condições atuais do império norte-americano e os indícios de que suas estruturas começam a estalar.

Citando autores consagrados, lembra que, como os seres vivos, os impérios também têm um nascimento, crescimento e morte. Concordo com ele quando sugere que um império dá mostras de estafa histórica ao ficar sob o comando de um usurpador.

E cita que Bush, como usurpador, somente chegou à presidência por manobras da Suprema Corte, que não levou em conta comprovações de fraude a seu favor, na contagem de votos. E o que se seguiu a isso foi a formação de uma equipe agressiva e rapinante, que levou os EUA, como no Vietnã, a cair num lodaçal enorme: a invasão do Iraque.

E de lá terão dificuldade para sair: a retirada em massa das tropas significará capitulação, desonra e angústia para um povo que já foi desmoralizado pelos vietnamitas; e a saída, mesmo que aos poucos, também representará uma derrota. Uma derrota homeopática, mas uma derrota.

Os americanos esperavam encontrar nos iraquianos um povo de covardes, mas viram-se frente à frente com uma desesperada, fanática e férrea resistência, da qual não conseguirão se desvencilhar a não ser pela debandada. Mas fugir, às vezes, é difícil, é muito difícil; disso não se tenha dúvida. No caso dos EUA, até para ser covarde, vai dar muito trabalho.

Santayana fala também nos milhares de soldados e mercenários americanos mortos e no luto das famílias. E iria mais longe, se mais longas fossem as páginas dos jornais, tratando, com refinada competência, dos desastres da barbárie americana.

Observa também da questão sob o prisma da condição humana, lembrando que poucos são os que conseguem subir e ter a honra de morrer na plenitude de seus louros. E mais: é preciso saber subir, ter dignidade e humildade, uma vez que a descida à planície é o caminho no qual você encontrará com aqueles a quem porventura destratou, esqueceu ou descartou. E por ter feito isso,não terá mãos a apoiá-lo quando seus pés trôpegos estiverem buscando o caminho da descida e do fim.

Vale a pena ler essas coisas de jornal, quando bem escritas e tocadas pela sensibilidade às vezes pungente de um grande artista do texto, um spalla da palavra impressa, como Mauro Santayana. Ele conduz seu texto como Tárrega conduzia os acordes de sua guitarra gitana.

Tive a oportunidade de conhecê-lo e chamei-o respeitosamente de "Professor". Ele me respondeu: "Não me chame de professor. Não tenho títulos. Não tenho sequer o segundo ano primário..."
É realmente um grande Professor.
Emanoel Barreto

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