quinta-feira, 8 de junho de 2006

Se o povo não tem pão, que coma gols

"Tem gente que se acha honesta
só porque não sabia nada."
Millôr Fernandes

Vamos combinar assim: a partir de amanhã, o Brasil fecha para balanço. Balanço do samba embalado pelos pés de jogadores milionários; balanço do vai-e-vem dos garçons servindo chope; balanço do nosso eterno berço esplêndido.

Vamos todos nos deitar nas redes armadas nos estádios alemães e ficar embalados pela gritaria que vai ninar o povo a cada novo grito de gol. É assim de quatro em quatro anos. Esse país inteiro pára, boquiaberto, encantado pelo sortilégio das jogadas, dos passes geniais, das defesas incríveis, dos pênaltis e da ansiedade pela vitória da Seleção.

Esse país inteiro pára, compensando num processo de busca insensata alguma coisa, um não-sei-quê nacional, que nos fará sentirmo-nos completos, recheados, remidos das culpas sociais que assolam corações e mentes do Oiapoque ao Chuí.

Não tem boa educação para todos? Gol da Seleção e faz de conta que está tudo bem. Falta segurança e o PCC é um medo que pode explodir a qualquer momento? Gol da Seleção e estaremos certos, por instantes, de que um dia a coisa tem jeito. O posto de saúde, que já não funciona, agora é que fecha mesmo as portas por causa dos jogos? Palmas para a Seleção, que vai nos livrar da dor de cabeça que é esperar inutilmente por uma ficha de consulta a um médico que dificilmente aparece no trabalho.

Amanhã terá início um espetáculo mundializado, programado, marketizado, totalmente plastificado para dar a todos, especialmente a nós, brasileiros, a sensação de que tudo vai bem e que somos, todos, obrigados a grudar um sorriso na cara e trazer na boca um berro de louvação.

A partir de amanhã vamos dar um balanço no caixa das emoções contidas e dos bolsos vazios, das vontades não atendidas e dos desvãos das desigualdades sociais. Vamos sorrir, vamos brindar, vamos fechar as repartições mais cedo, aliás nem mesmo vamos abri-las. Afinal, é Copa do Mundo e este país tem de fechar para balanço.

Aliás, nem é balanço; é balancete, porque a Copa nem dura tanto tempo. Mas, no fim, você vai ver o tamanho da conta.

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