terça-feira, 14 de março de 2006

Dia da Poesia: em parte, vira luz...

“É que eu sonho esvair-me em vícios de marfim...”
(Sá Carneiro, em Certa vez na noite ruivamente)

Hoje é o Dia da Poesia. Não quer dizer que é o dia do verso, aquele conjunto de palavras que, ao fim da leitura de uma quadra, por exemplo, resulta numa rima. Não, poesia é muito mais. Porque poesia é sentimento, é interioridade vivida internamente e exposta pela palavra.

É panorama humano íntimo que deságua no gesto escrito, o poema. Creio que seja até mesmo mais que isso: poesia é ato de viver, poesia é ato de coragem. Coragem de ser dissidente, coragem de se expor ante aqueles que pensam que tudo sabem, que tudo podem e por isso tudo pedem.

Poesia é atitude voltada para a reflexão. Portanto, está parada dentro de você, muito embora seja, dentro dela mesma, um redemoinho. Poesia é feita a passos de ferro.

Poesia é caminho que não vai a lugar algum,
uma vez que o poeta
busca sempre a incerteza jamais o porto.

Sem o porto, ele parte;
em parte fica;
em partes se desfaz;
em partes se constrói;
em parte vira luz.
Depois, tudo escurece.
Só isso.
E, como nos interrogatórios,
nada mais digo,
nem nada mais me seja perguntado.

Antes porém, de retirar-me, resolvi, para marcar a data, transcrever Mar Português, de Fernando Pessoa. Sá Carneiro, citado acima, é também poeta português.

Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!

Valeu a pena?
Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o Céu.

Do jornalista e poeta Walter Medeiros recebo "Espetacular", poema que segue abaixo:

No rumo Oeste
Nuvens douradas
Viam prata
Pelo Céu azul.

E o fim da tarde
Mostra uma dimensão
Espetacular
No horizonte.

Desenho único
Do infinito
De um momento
Angelical.

Pela estrada
O automóvel
Quer alcançar
O que se esvai.

E o desenho
Troca de estrela
Contente com
O contorno lunar.

Noite que cobre
Com manto puro
Relvas e rios
Pelo sertão.

Campos de amor,
Muita labuta,
Sossego, luta,
Um esplendor.





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