segunda-feira, 6 de fevereiro de 2006

Felicidade, estranha felicidade...

"Um Governo só funciona quando
entende aqueles que governa.”
(Autor desconhecido)

(Crônica baseada em fato que presenciei)

A cena poderia ser tomada por bizarra, se, no fundo, não fosse bela. Humanamente bela: em sua pobreza, em sua espontaneidade, em sua exuberância, em sua despreocupação com o amanhã - essa data sem número e sem dia certo e que parece nunca chegar.Mas eles estavam ali, o casal estava ali, vivendo seus momentos intensos em meio ao trânsito do Centro, como se tudo, todos, o mundo, aqueles carros, tivessem sido feitos para testemunhar o seu amor.

Ele, um lavador de carros, maltrapilho, analfabeto, estava feliz, na companhia da mulher, que, claro, para ele, era a mais linda do mundo. Cabelos maltratados, duros como arame, vestido roto de pano ruim, um sorriso perdido na boca sem batom, aquela cinderela sem sapatos sentia-se plena.

E tudo porque ela se sentia amada, desejada, possuída, dona de casa. Uma casa grande, sem paredes, sem teto, sem móveis, sem nada, mas toda dela. A casa dos dois era nada mais nada menos que o Grande Ponto, o Centro da Cidade.Mas, sua propriedade se estendia muito mais e muito acima do que ter aquela casa de nada, que era deles.

Eles eram donos do movimento da Cidade, das buzinadas, das sarjetas, do lixo, dos cães vadios que velavam seus sonhos de sombras e barrigas vazias, sob a proteção ridícula das marquises. Mais que isso, eles eram donos das pessoas. Sim, todos, todos no mundo, existiam para, podendo, passar no Grande Ponto e assim serem vistos pelo casal. Todos eram passageiros, somente eles ficavam.

Eu vi esse casal várias vezes, sua alegria vazia, seus abraços, seus passeios pelas calçadas do Centro, mãos dadas, rindo, felizes com sua própria idéia de felicidade. Sim, porque aquele casal vivia num mundo paralelo e era feliz em relação a si mesmo.Eles não precisavam da nossa felicidade, convencional, distante, arrogante, jamais vista e sempre oculta.

Uma felicidade de segundas intenções. Não sei durante quantos dias vi esse casal ( e isso já faz muitos anos), mas sei que sua alegria era tão forte, tão marcadamente vigorosa, que não precisava de dinheiro para ser sentida.

Depois, eles sumiram, há anos. E às vezes, andando pelas ruas do Centro, tenho a impressão de que, de repente, vai aparecer aquele sujeito mal vestido, acompanhado por uma mulher sem batom. E eu vou olhar para eles e dizer: “Quando fizeram bodas de ouro, eu quero ser o padrinho.”

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