“A chave do sucesso é ter paixão.”
(Monserrat Caballé, soprano espanhola)
Redação da Tribuna do Norte, 20h de uma noite qualquer, de um mês qualquer do segundo semestre de 1980. Os trabalhos prosseguiam normais, ou seja: fervenedo, a um grau da loucura, para fechar o jornal. “Fechar”, em jornalês, não tem o significado comum e rotineiro, por exemplo, de fechar uma loja, ou algo assim.
Fechar, em jornalês, indica até mesmo puerpério, aquele estado em que a mulher pode ser levada a fazer tudo, até mesmo matar o filho recém-nascido. É o parto da notícia. Tudo é pressa, exatidão, presença. Tudo tem que ser preciso, improviso perfeito, tiro de atirador de elite, certeiro e fulminante.
Pois bem, foi num ambiente assim, que, repentinamente, alguém gritou: “Corre, que o homem tá doido!” Nessa época, as redações eram movidas à máquina da escrever e não a computadores. A neurótica sinfonia das máquinas matraqueando inundava a grande sala com um som de que hoje tenho saudades.
Era um parapapá que chegava a ensurdecer. Bem diverso dos computadores de hoje, com suas teclas macias e educadas.
Mas, voltando à cena: o homem, sem camisa, desesperado, suado, louco, gritava alucinadamente. E assim ele invadiu a redação. Eu me virei para Moacir, o diagramador chefe que comigo fechava a primeira página e perguntei arregalado: “O que diabo é isso?”, e o velho Moa, impassível, simplesmente respondeu, dando de ombros: “E eu sei lá?” - e continuou a fechar uma página.
Nesse momento, uma pequena multidão se preparava para invadir o jornal. Coisa de louco, coisa de louco. E atrás do homem, também endiabrado, vinha o vigilante do jornal. Desarmado (a direção não aceitava vigilantes trabalhando armados), o pobre homem muniu-se de um pau que servia para guardar jornais e desceu imediatamente, para enfrentar os invasores e expulsá-los.
“O que diabo é isso?”, gritei, já então no meio da redação. Ninguém sabia responder. Enquanto isso, o fugitivo se escondia na sala dos fotógrafos, melhor dizendo, no laboratório. Não sei exatamente como, o vigilante conseguiu conter os atacantes e eles recuaram, desceram as escadas e se dispersaram na noite da Ribeira.
Todos mais calmos, descobri o motivo do misterioso - e estrepitoso - acontecimento: o fugitivo havia espancado seu pai, nas Rocas. Uma dessas brigas de família, as famosas brigas-de-ponta-de-rua, que havia degenerado num quebra-quebra espetacular dentro de casa. Os vizinhos ouviram o barulho da quebradeira, descobriram que o velho tinha sido espancado e, revoltados, partiram para o linchamento do malsinado filho. Paus e pedras contra ele.
O sujeito correu das Rocas até a Ribeira, rápido como um maldito, buscou esconderijo nas portas da Tribuna e explodiu bem no meio da redação como uma bomba humana enlouquecida.
Depois, controlado o acontecimento, não sei como, pelo vigilante, e sabidas as causas do acontecimento, acompanhei do sujeito até a saída e perguntei: “E agora?”. Ele respondeu, olhando para um lado e para o outro, para ver se ainda restava alguém: “Sei não, mas, outra, pra mais nunca.”
Apertei-lhe a mão e desejei boa sorte. E comigo, mesmo, concordava: “E eu também. Outra, pra mais nunca...”
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