Conta-se que um poderoso príncipe, reinando absoluto sobre Damasco, cavalgava por planícies distantes. Via seus domínios, desvanecia-se com o seu poder, fruía tudo o que era seu: florestas, rios, lagos, até o clima, dizia, mudava quando ele assim o determinava.E dessa forma passava o seu tempo, acumulando ouro, pedrarias, alcatifas festejavam seus pés e as mulheres mais lindas, trazidas das terras mais exóticas, aveludavam os seus dias.
Acostumado à beleza feminina multiplicada por mil, o príncipe chocou-se ao ver diante de si, quando sofreou o cavalo - um árdego corcel dourado - a figura feia de uma velha mulher. Feia como a dor, encurvada como as sombras do tempo, trôpega, manca, olhos maus e fuçando o ar com narinas enormes, a criatura feriu a retina do monarca como um dardo.
- Que fazes no meu reino? - indignou-se ele ante tal e infame presença. - Não sabes que bani para sempre das minhas terras a fome, a dor, a miséria e a feiúra? Tornei são o meu povo, para que dele somente brotem os bons e os belos. E, como és feia, estás imediatamente banida destas plagas. Vai e não voltes mais.
Calada, a criatura limitava-se a ouvir as palavras, melhor seria dizer as acusações vindas do príncipe, até que tomou a palavra: - Meu senhor, não posso ir embora. Não sou do vosso povo nem vim para ficar. O que vim fazer se cumprirá depois de mim, após minha presença e passagem.
O grande corcel do príncipe fremia, como que querendo atirar-se de chofre sobre a mulher, pisoteando-a por inteiro. Nisso, o príncipe falou: - E o que vieste fazer no meu reino? Faze-o logo e sai - desafiou o temerário.
Ela respondeu: Nobre senhor, o que me trouxe aqui não é bom nem rápido. Eu sou...- Quem és? - cortou ele. - Conta-me rápido, antes que te decapite - bradou, enquanto desembainhava a cimitarra.
- Eu, meu senhor, eu sou a Peste Negra. Estou me encaminhando para Damasco. Por isso sou assim, trôpega, pois o que venho fazer não tem pressa: quando for feito, feito estará.
O príncipe não esperou um segundo mais. Atirou-se rápido em direção à cidade, onde espalhou a notícia. Em pânico, as pessoas atiraram-se em multidão às ruas, atropelando-se em desespero, amontoando-se, aos gritos. Milhares começaram a morrer, antes mesmo que a peste chegasse.
E dias depois, quando ela chegou, caminhando com seu passo tardo, encontrou já metade de população morta. - O que fizeste, infame? - gritou ele.
- Príncipe - ela respondeu - tua notícia matou de medo a metade do povo. A outra metade matarei eu. E em seguida começou o seu ofício.
* De uma velha história que, um dia, li .
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