quinta-feira, 3 de setembro de 2020


“Não vou mais trabalhar: vou é ser ladrão!”

Por Emanoel Barreto

Ele seguiu avenida abaixo, pensativo. Era já o terceiro emprego que perdia no ano. Apesar de esforçado e sempre pontual, na hora das demissões seu nome constava sempre na lista. Nunca compreendera o motivo de tanta má sorte.

Havia recebido o dinheiro pelos poucos dias que havia trabalhado: dava coisa de uns quinhentos reais. A demissão veio quando tudo parecia estar dando certo: então, de repente, apareceu na obra um sujeito que conhecia um engenheiro por lá. O novato, apadrinhado, acabou tomando seu emprego.
E agora, o que dizer a Joaquina, aos cinco filhos e à sogra?

Caminhou meio zonzo sem saber o que fazer. Estava assim: perdido. Sem rumo. De repente viu lá na esquina uma barraca de churrasquinho. Também vendiam cachaça. Seguiu direto até lá.

Pediu uma dose de cana e emborcou de um gole. Pediu duas, pediu três. A bebida desceu muriática, atiçando todas as raivas e fazendo surgir pensamentos de ódio e revolta.

Seguiu pela calçada ruminando horrores. Sentou-se no meio-fio e uma rajada de vento polvilhada de areia envolveu seu corpo num abraço de lixa grossa. No meio desse redemoinho de vento e raiva veio voando um jornal. Já velho, de uns cinco dias.

Ele pegou o jornal e leu: bandidos haviam chacinado um policial; criminosos haviam assaltado uma mansão e levado muitas joias; deputados envolvidos em atos de corrupção haviam sido absolvidos; ricaços escapavam da acusação de ter fortuna em paraísos fiscais.

Diante de tudo isso, decidiu: "Eu vou é ser ladrão." De que adiantava trabalhar tanto para no fim do mês ver dinheiro faltando para pagar as contas? 

Levantou-se e caminhou rumo à zona sul da cidade. Afinal viu-se diante de uma mansão. Foi fácil saltar o muro. Fácil atravessar o jardim. Fácil abrir a porta. Fácil entrar na casa.

Subiu ao primeiro andar. Além dele, ninguém. Aparentemente, ninguém. Mas, suspeitou: se a porta de entrada estava só no trinco haveria alguém em casa. E pensou: “Será que num tempo como o de hoje, com tanto ladrão por aí, uma pessoa ia deixar a casa só no trinco?” Tomou cuidado. “Será que havia ladrões na casa?” Ficou com medo de ser assaltado: já pensou se lhe tomavam o que restara dos quinhentos reais?

De repente ouviu barulho de chuveiro. Foi cautelosamente até a suíte de onde vinha o barulho e ficou olhando pela porta entreaberta. Somente o quarto estava iluminado. O restante da casa era envolvido em penumbra. A escuridão era sua amiga. Mesmo assim, ofegava. Fera no bote da presa. Até que a presa apareceu.

Saída do banheiro uma mulher de uns trinta anos, muito bonita, caminhava resplandecente e nua. Ele tremeu. Aí, percebeu: era um ladrão lamentável – nem arma tinha para o assalto. A mulher caminhou até o guarda-roupa e demorou-se mexendo em saias e blusas, de costas para ele. Depois ela virou-se e tornou a caminhar. Ele a seguia com o olhar. E via também a riqueza, a ostentação, o luxo daquele quarto.

Olhava tudo aquilo e comparou com a pobreza de sua casa, a figura triste de sua Joaquina, os moveizinhos baratos, a casinha apertada e feia. A beleza da mulher rica voltou a dominar seu olhar. Ela se perfumava. O aroma espalhou-se pelo quarto e chegou até ele.

Aí, sentiu seu próprio cheiro, o odor forte vindo de si. Sentiu-se imundo e sórdido.  Olhou-se e recuou, recuou, recuou. Caminhou pela semiobscuridade, chegou até à porta e saltou o muro. Quando seus pés bateram na calçada respirou fundo. Encolheu-se a um canto do muro e chorou em silêncio. Estava quase em convulsão. 

Havia fracassado até mesmo como ladrão. 

De repente ouviu dois tiros vindos de dentro da casa e um grito horrendo de mulher. Logo em seguida dois jovens saltavam o muro, fugindo da mansão. 

Ainda deu para ele ouvir quando um deles gritava para o outro: – Cê viu, rapá, aquele otário que tava na casa também querendo robá? O bicho saiu na frente, num levô nada e nem viu que a gente já tava dentro da casa. Aí a gente se fez. Mandei bem, não mandei? Dei dois tecos na madame e a gente pegou o colar!



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