“Não vou mais trabalhar: vou é ser ladrão!”
Por Emanoel Barreto
Ele seguiu avenida abaixo, pensativo. Era
já o terceiro emprego que perdia no ano. Apesar de esforçado e sempre pontual,
na hora das demissões seu nome constava sempre na lista. Nunca compreendera o
motivo de tanta má sorte.
Havia recebido o dinheiro pelos poucos dias que
havia trabalhado: dava coisa de uns quinhentos reais. A demissão veio quando
tudo parecia estar dando certo: então, de repente, apareceu na obra um sujeito
que conhecia um engenheiro por lá. O novato, apadrinhado, acabou tomando seu emprego.
E agora, o que dizer a Joaquina, aos cinco filhos
e à sogra?
Caminhou meio zonzo sem saber o que fazer. Estava
assim: perdido. Sem rumo. De repente viu lá na esquina uma barraca de
churrasquinho. Também vendiam cachaça. Seguiu direto até lá.
Pediu uma dose de cana e emborcou de um gole.
Pediu duas, pediu três. A bebida desceu muriática, atiçando todas as raivas e
fazendo surgir pensamentos de ódio e revolta.
Seguiu pela calçada ruminando horrores. Sentou-se
no meio-fio e uma rajada de vento polvilhada de areia envolveu seu corpo num
abraço de lixa grossa. No meio desse redemoinho de vento e raiva veio voando um
jornal. Já velho, de uns cinco dias.
Ele pegou o jornal e leu: bandidos haviam
chacinado um policial; criminosos haviam assaltado uma mansão e levado muitas
joias; deputados envolvidos em atos de corrupção haviam sido absolvidos;
ricaços escapavam da acusação de ter fortuna em paraísos fiscais.
Diante de tudo isso, decidiu: "Eu vou
é ser ladrão." De que adiantava trabalhar tanto para no fim do mês ver
dinheiro faltando para pagar as contas?
Levantou-se e caminhou rumo à zona sul
da cidade. Afinal viu-se diante de uma mansão. Foi fácil saltar o muro. Fácil
atravessar o jardim. Fácil abrir a porta. Fácil entrar na casa.
Subiu ao primeiro andar. Além dele, ninguém.
Aparentemente, ninguém. Mas, suspeitou: se a porta de entrada estava só no
trinco haveria alguém em casa. E pensou: “Será que num tempo como o de hoje,
com tanto ladrão por aí, uma pessoa ia deixar a casa só no trinco?” Tomou
cuidado. “Será que havia ladrões na casa?” Ficou com medo de ser assaltado: já
pensou se lhe tomavam o que restara dos quinhentos reais?
De repente ouviu barulho de chuveiro. Foi
cautelosamente até a suíte de onde vinha o barulho e ficou olhando pela porta
entreaberta. Somente o quarto estava iluminado. O restante da casa era
envolvido em penumbra. A escuridão era sua amiga. Mesmo assim, ofegava. Fera no
bote da presa. Até que a presa apareceu.
Saída do banheiro uma mulher de uns trinta anos,
muito bonita, caminhava resplandecente e nua. Ele tremeu. Aí, percebeu: era um
ladrão lamentável – nem arma tinha para o assalto. A mulher caminhou até o
guarda-roupa e demorou-se mexendo em saias e blusas, de costas para ele. Depois
ela virou-se e tornou a caminhar. Ele a seguia com o olhar. E via também a
riqueza, a ostentação, o luxo daquele quarto.
Olhava tudo aquilo e comparou com a pobreza
de sua casa, a figura triste de sua Joaquina, os moveizinhos baratos, a casinha
apertada e feia. A beleza da mulher rica voltou a dominar seu olhar. Ela se
perfumava. O aroma espalhou-se pelo quarto e chegou até ele.
Aí, sentiu seu próprio cheiro, o odor forte vindo
de si. Sentiu-se imundo e sórdido. Olhou-se e recuou, recuou, recuou.
Caminhou pela semiobscuridade, chegou até à porta e saltou o muro. Quando seus
pés bateram na calçada respirou fundo. Encolheu-se a um canto do muro e chorou
em silêncio. Estava quase em convulsão.
Havia fracassado até mesmo como ladrão.
De repente ouviu dois tiros vindos de
dentro da casa e um grito horrendo de mulher. Logo em seguida dois jovens
saltavam o muro, fugindo da mansão.
Ainda deu para ele ouvir quando um deles
gritava para o outro: – Cê viu, rapá, aquele otário que tava na casa
também querendo robá? O bicho saiu na frente, num levô nada e nem viu que a
gente já tava dentro da casa. Aí a gente se fez. Mandei bem, não mandei? Dei
dois tecos na madame e a gente pegou o colar!
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