Recebo e
divulgo esta bela crônica.
Os pesadelos e os sonhos
Edgar Manso
Naquele dia ele acordou cedo como era de
praxe, de imediato seus sentidos começam a funcionar quando identificou o teto
do quarto ainda escuro, sentiu o frescor suave que vem dos cabelos dela e a
maciez de sua pele clara, bebeu aquele gole de água fria que desce goela abaixo
como o riacho que bota a primeira cheia após as chuvas que alegram um
sertanejo. Mas faltava algo: seus ouvidos não estavam em sintonia com o resto
do corpo, pareciam tristes. Inúteis. O sujeito sentiu que faltava algo, o que
poderia ser àquela hora da matina? Só os justos acordam tão cedo. Nada havia
acontecido, nada estava marcado, nada poderia estar faltando.
Foto: Daiane Costa |
E de repente, o silêncio hostil deu-lhe um
empurrão que o direcionou a janela mais próxima, como que um guia que mostrava
o caminho das respostas. Ele abriu a janela e achou o que faltava! O som dos
alegres saguis que sempre o fizeram companhia nas manhãs que ele tinha a sorte
de acordar ao lado dos seus maiores tesouros e conquistas. “Meu Deus!!!”, bradou
o navegante. “O que é isso? Onde eles estão?”
Claro que era um pesadelo, apesar de incomum
em sua existência. Criaturas tão amáveis não somem dessa forma. Mas, após
alguns segundos, ele notou que não apenas seus amigos saltitantes faltavam, a
sua hospedeira, a imponente e majestosa mangueira também desaparecera.
Voltou ao banheiro, lavou fortemente o rosto já
cansado, e olhou para o espelho de forma tão séria que até seu reflexo se
amedrontou. Estaria louco? O homem nunca se amedrontou e nem fugiu de
dificuldade alguma, era de sua índole investigar e saber o que acontecia ao seu
redor. Destemido, partiu para a investigação. Não foram só os saguis e sua
forte mangueira que haviam desaparecido, os Beija-flores, os coelhos, a
amigável galinha, os pardais...todos tinham sumido.
O colorido das acerolas, o
verde escuro dos abacates, o mistério dentro do estranho sapoti, a resistência
e cheiro bom dos Araçás, a timidez doce das jabuticabas, a precocidade do
cajueiro anão, a firmeza dos limões e laranjas. Tudo era nada!!! Nada era tudo
que ele via!!!!
Caminhando de forma atabalhoada, sem destino,
o passageiro notou que a própria caminhada estava diferente. Era curta, sempre
interrompida pelas paredes a sua frente. Parecia que rodava em círculos inúteis
dentro de algum cubículo que aquele pesadelo o levou.
Não mais tinha aquele longo corredor da
folia, onde seu filho corria, gritava, jogava bola e empurrava sua cadeira como
se fora a sua miniatura de Lamborghini em tamanho real cortando as estradas
italianas. As paredes, apesar de tão próximas, não tinham imponência daquelas
paredes de tijolos maciços e feitos à mão por trabalhadores de uma época em que
eram trabalhadores.
As portas que insistiam em vigiá-lo eram
pálidas, sem conteúdo, elas mesmas sabem que não precisavam de força, pois lá
fora não tem nada de agradável para se ver, elas tem pouca utilidade, tadinhas.
Mas ele ainda tinha sua família, isso é o que importa de verdade. Naquele dia ele teve a certeza de que pesadelos existem e que sonhos são apenas sonhos...
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