segunda-feira, 25 de janeiro de 2016



Recebo e divulgo esta bela crônica.

Os pesadelos e os sonhos
Edgar Manso

Naquele dia ele acordou cedo como era de praxe, de imediato seus sentidos começam a funcionar quando identificou o teto do quarto ainda escuro, sentiu o frescor suave que vem dos cabelos dela e a maciez de sua pele clara, bebeu aquele gole de água fria que desce goela abaixo como o riacho que bota a primeira cheia após as chuvas que alegram um sertanejo. Mas faltava algo: seus ouvidos não estavam em sintonia com o resto do corpo, pareciam tristes. Inúteis. O sujeito sentiu que faltava algo, o que poderia ser àquela hora da matina? Só os justos acordam tão cedo. Nada havia acontecido, nada estava marcado, nada poderia estar faltando. 
Foto: Daiane Costa

E de repente, o silêncio hostil deu-lhe um empurrão que o direcionou a janela mais próxima, como que um guia que mostrava o caminho das respostas. Ele abriu a janela e achou o que faltava! O som dos alegres saguis que sempre o fizeram companhia nas manhãs que ele tinha a sorte de acordar ao lado dos seus maiores tesouros e conquistas. “Meu Deus!!!”, bradou o navegante. “O que é isso? Onde eles estão?” 

Claro que era um pesadelo, apesar de incomum em sua existência. Criaturas tão amáveis não somem dessa forma. Mas, após alguns segundos, ele notou que não apenas seus amigos saltitantes faltavam, a sua hospedeira, a imponente e majestosa mangueira também desaparecera.

Voltou ao banheiro, lavou fortemente o rosto já cansado, e olhou para o espelho de forma tão séria que até seu reflexo se amedrontou. Estaria louco? O homem nunca se amedrontou e nem fugiu de dificuldade alguma, era de sua índole investigar e saber o que acontecia ao seu redor. Destemido, partiu para a investigação. Não foram só os saguis e sua forte mangueira que haviam desaparecido, os Beija-flores, os coelhos, a amigável galinha, os pardais...todos tinham sumido. 

O colorido das acerolas, o verde escuro dos abacates, o mistério dentro do estranho sapoti, a resistência e cheiro bom dos Araçás, a timidez doce das jabuticabas, a precocidade do cajueiro anão, a firmeza dos limões e laranjas. Tudo era nada!!! Nada era tudo que ele via!!!!

Caminhando de forma atabalhoada, sem destino, o passageiro notou que a própria caminhada estava diferente. Era curta, sempre interrompida pelas paredes a sua frente. Parecia que rodava em círculos inúteis dentro de algum cubículo que aquele pesadelo o levou. 

Não mais tinha aquele longo corredor da folia, onde seu filho corria, gritava, jogava bola e empurrava sua cadeira como se fora a sua miniatura de Lamborghini em tamanho real cortando as estradas italianas. As paredes, apesar de tão próximas, não tinham imponência daquelas paredes de tijolos maciços e feitos à mão por trabalhadores de uma época em que eram trabalhadores. 

As portas que insistiam em vigiá-lo eram pálidas, sem conteúdo, elas mesmas sabem que não precisavam de força, pois lá fora não tem nada de agradável para se ver, elas tem pouca utilidade, tadinhas.
 
Mas ele ainda tinha sua família, isso é o que importa de verdade. Naquele dia ele teve a certeza de que pesadelos existem e que sonhos são apenas sonhos...



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