domingo, 16 de outubro de 2016

Uma conversa fabulosa nas distâncias do sertão



"Quem é aquele rapaz? Será um africano?"
Emanoel Barreto

Lembranças - Sertão central do Rio Grande do Norte. 1961. Encantado com a paisagem eriçada e rude eu seguia montado no passo tardo de um cavalo manso, escolhido com cuidado pelo velho Patrocínio, tio da Minha Mãe. Ele não queria que o sobrinho praciano sofresse os percalços de montar um cavalo de vaqueiro. Chamou-me e disse: "Pode montar sem medo. Esse é Soberbo. Vai para onde você mandar."

E lá fui eu, percorrendo os caminhinhos, sendas abertas a facão no meio da caatinga. Coisa de quatro da tarde. O vento era só pra dizer que tinha. O vento do sertão anda abraçado com o calor, para quem não sabe. Eu me sentia um verdadeiro caubói: Durango Kid, Roy Rogers, Zorro, Kid Colt. E imaginava que, em meio aos galhos secos, espinhos e cro'as de frade, cardeiros e macambiras, havia bandidos à espreita, prontos para ser acertados pelos meus tiros de infância. 

Soberbo andou, andou e, lá adiante, vi uma figura que vinha em minha direção. Era um velho. Negro, alto, o cabelo branquinho, a barba também. Lembrava a visão clássica do Pai Tomás. Puxei as rédeas de Soberbo quando o homem fez sinal como a mão. Queria que eu parasse. Aproximou-se e perguntou: "O minino é arguma coisa de Seu Patrocínio?" Respondi que sim. Ele disse: "Vim aqui pra falá cum ele, um negoço de umas vaca qui quero vendê."

Eu apontei na poeira da distância o rumo da casa-grande. E ele: "Então, vô pra lá." 

E eu: "Vamo, que eu vou com o senhor." E saímos. Soberbo mais parecia uma muralha perto do cavalinho dele. No caminho contou-me coisas de suas viagens, do tempo em que vivia longe daquelas terras. 

Contou como quem conta uma epopeia, um épico, canção de gesta. Os olhos da minha emoção estavam arregalados, pasmos com a vida daquele sertanejo. Por um momento quase vi a meu lado Amadis de Gaula, Parcival, Galahad ou o próprio Aquiles; quem sabe, Orlando Furioso. Aquele homem era feito de todas as lendas que povoavam o meu imaginário infantil. 

E ao final, já chegando à casa de Tio Patrocínio, ele revelou: "Minino, um dia ainda vô m'embora. Vou viajá, andá pelo mundo de novo. E vou demorar muito. E aí, quando eu vortá, acho qui as pessoa vai perguntá, sem se lembrar de mim: 'Quem é aquele rapaz? Será um africano?'"

Aquela conversa, aquela figura, hoje fazem parte de lembranças que ficaram guardadas em meio a memórias antigas, escondidas todas em alguma caverna de Polifemo, território traçado no mapa mais meu. 

E hoje, às vezes, me pergunto: "E se um dia eu viajar? Também quero viajar. Vou viajar. E vou demorar muito. E espero que, quando voltar, as pessoas também perguntem: "Quem é aquele rapaz? Será um africano?"

ZOORÓSCOPO
HIENA - Boas previsões para você, hiniana ou hieniano, pelo menos na fortuna. Ganhará rios de dinheiro, não será punido e poderá, sempre, se apresentar como pessoa respeitável. No amor, entretanto, as coisas não irão tão bem. Pelo seu caráter truculento e egoísta, somente poderá fazer par com os de Barata ou Tubarão. Mas, aí, ambos sairão perdendo pois um tentará engolir o outro. No mais, vá em frente que a estrada no Brasil é larga e o caminho é bom para quem não presta.

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