quinta-feira, 20 de março de 2014

O mestre geral das construções inúteis



Um túnel para a China, tiros de canhão e o lindo futuro que nos aguarda

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Hoje amanheci em 1901 e tenho a estranha sensação de que há algo errado: meu terrível vizinho, que tem o estranho hábito de ter tanques de guerra em seu jardim, amanheceu tocando clarim e “convocando todos os patriotas à guerra.” 
Ouvi tiros e ele informou-me que está atacando o Palácio Presidencial, pois é ali que “encontra-se o mal para a nação.”


Estranhei, porque nosso presidente é um velhinho de 95 anos que costumeiramente vem à minha oficina tipográfica para pedir conselhos a respeito de como seria possível estabelecer relações diplomáticas com a China facilitadas por um túnel que nos levaria diretamente à Cidade Proibida.


Informo sempre ao nosso Presidente que sou apenas um tipógrafo que aprendeu esta arte diretamente de Gutemberg. Sendo assim, nada posso oferecer a respeito de pactos internacionais; especialmente esse, que nos levará diretamente ao outro lado do mundo. Mas ele insiste em construir o túnel e sugeri que fosse imediatamente ao Arquiteto Chefe, senhor de sabenças e versado em tais assuntos.


Mas agora o Presidente encontra-se sob fogo de canhão e preciso saber se está bem. Chego ao Palácio Presidencial e, para gáudio meu, tudo está como devia: o Palácio não foi atingido pelos obuses e o Presidente dedica-se a instrutiva conversa com suas plantas carnívoras a quem sempre recorre quando deve tomar decisões importantes. Após, claro, ouvir-me também, já que me convoca sempre que parlamenta com suas plantas carnívoras.


Pergunto se teme ser deposto e explico que meu temível vizinho o está atacando a fogo pesado. Ele contesta. E vejo que tem razão, até mesmo pelo fato de que eu mesmo já havia visto que o Palácio está inteiro. Corro então ao meu vizinho e digo-lhe que suas tentativas são inúteis: os canhões estão aprumados para alvo bem distinto e distante do Palácio Presidencial.


Ele admite o erro e diz que, diante disso, o inimigo agora é outro: imediatamente virou os canhões para a minha casa e garante que, sem dúvida, conseguirá obter uma grande vitória, uma vez que, como inimigo perigosíssimo, devo ser eliminado o mais rápido possível.


Como sei que estou diante de um louco corro e fujo. Nesse momento acabam a munição dos canhões. O vizinho, desesperado e demente, derrotado por sua própria incompetência em não prover-se de munição, muda de tática e de objetivos: corre a me abraçar, pede perdão, e sugere que eu o leve ao Palácio Presidencial. Assim o faço e ele propõe: “Excelência, precisamos com urgência construir aquele túnel que nos leve diretamente à Cidade Proibida. Aquele projeto que o senhor tanto defende.”


O Presidente aceita imediatamente, felicíssimo com o apoio à sua grande obra. O meu vizinho louco agora cochicha com ele. Dessa conversa resulta, inesperadamente, a minha prisão: o louco continuara tramando contra mim; o abraço fora apenas parte do processo para me destruir. 

Resultado: agora estou munido, veja bem, munido, de um picareta a cavar um enorme buraco em direção ao centro da Terra. Estou suado e cansado. E acima de tudo decepcionado com o presidente. Veja só: ao ouvir a proposta do louco para a construção do túnel esperava que o Presidente me nomeasse Mestre Geral das Construções Inúteis, mas agora eis-me aqui, suando e exausto como um  escravo.

Em silêncio, quase meditação, fico pensando: dizem que um dia haverá um ano de 2014 quando todos os problemas do mundo estarão resolvidos e o belíssimo túnel hoje em construção nos ligará às coisas mais belas da China.


Com habilidade e matreirice consegui fugir do meu lamentável trabalho. Entrei numa máquina do tempo dei uma passadinha na Idade Média, mas vou imediatamente para o futuro. Lá chegando, contarei a você como será o magnífico ano de 2014.

Abraços,

Emanoel Barreto

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