segunda-feira, 1 de outubro de 2012



De como fazer roubos e levar um amigo ao desastre

Ontem encontrei-me com um velho amigo, que olhando para os lados confessou estar com “ideias estranhas”. Quis saber o que seriam as tais ideias e  detalhou: agora, depois de muitos anos de aposentadoria, e ganhando bem, fora tomado por inexplicável desejo de praticar pequenos furtos em supermercados, assaltar velhinhas, ajudar na fuga de bandidos perigosos e outros conivente, e afinal assaltar alguém.

Perguntei de novo o motivo de tão péssimos pensamentos. Ele insistiu na resposta e disse não saber, sabia apenas que, sempre cumpridor com seus deveres, agora se dera conta de que após todos aqueles anos sentia necessidade de delinquir; um impulso, uma terrível determinação maligna e vulgar.

Firmei pé na minha pergunta e afinal admitiu o que pensava: entendia que vivemos a solerte e larga mentira da honestidade e agora queria ser um infrator, mas um infrator incapturável, sorrateiro, um infrator de gesto leopardo, invisível em seus gestos de indecência. Afinal, não são todos mentirosos?, questionou. Não agem assim os políticos, os grandes filisteus?

Queria, enfatizou, correr perigo, arriscar-se e, acima de tudo, ser um risco para os outros. E nada melhor que ser um mão-leve, um sete-dedos, um punguista, charlatão de falsos costumes, furtar sorrindo e receber dos outros, de volta, um cordial sorriso enquanto sairia das lojas com seus pequenos tesouros.

Dizendo isso puxou-me até um supermercado e ali penetramos. Sem qualquer precaução apoderou-se de uma lata de cerveja gelada, e andando calmamente em meio aos carrinhos de compras, senhoras bonachonas e funcionários da loja, bebia sem parar.
Deixou a lata num depósito de lixo e avançou, agora sobre uma garrafinha de cerveja, que sorveu com incrível rapidez. E repetiu o gesto vezes e vezes. Afinal, já meio bêbado, convidou-me a sair. Eu claro, o acompanhava a respeitável distância, e quando me chamou para sair agarrei-o por um braço e saímos quase correndo para o meu carro. 

Saí o mais depressa que pude. Agora ele queria mais: queria apoderar-se de algo, queria um troféu. Agora a coisa estava ficando perigosa: era o furto completo. E logo imaginei a prisão, a notícia no jornal, o escândalo por algo barato. Mas ele não desistia da ideia. Logo estávamos num shopping Center e ele foi direto a uma joalheria. Fingiu interesse por uma joia de preço médio. Quando a vendedora abaixou-se para pegar o delicado objeto ele estendeu um braço silencioso e tomou, escondendo na mão, um anel que pelo que vi era coisa caríssima. 

Quando a moça ergueu-se ele disse que havia desistido da compra. Pediu desculpas e saímos. Não é preciso dizer que eu estava tremendo. Calmamente dirigiu os passos ao estacionamento e fugimos, literalmente fugimos. 

Parei o carro muitos quarteirões adiante e disse que não, que não mais o acompanharia naquelas loucuras. Ele tinha ido longe demais. Nesse instante meu amigo revelou-se em toda a sua insanidade: sacou calmamente do bolso do casaco um revólver e anunciou o assalto. 

Queria tudo: meu dinheiro, cartões de crédito com as senhas e, claro, o carro. Boquiaberto, ouvi que não resistisse ou seria alvejado. Sem alternativa, entreguei o que pedira. Nisso, ia passando um carro da polícia. Ele saltou depressa para fora do meu carro e gritou para os policiais, que pararam imediatamente. 

Ele mandou que eu saísse também e, apontando-me a arma, disse que eu era um perigoso assaltante, que tentara roubá-lo, que havia resistido e me tomado a arma. Como prova, apresentou o anel que havia roubado. Quando à minha carteira, explicou que ma havia tomado para verificar a minha identificação. 

Agora estou à frente de um delegado que não acredita e uma só palavra do que digo. Afinal, meu suposto amigo é homem respeitável, um senhor aposentado e só me resta esperar a chegada do meu advogado.


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