De como
fazer roubos e levar um amigo ao desastre
Ontem encontrei-me com um velho amigo, que olhando para os
lados confessou estar com “ideias estranhas”. Quis saber o que seriam as tais
ideias e detalhou: agora, depois de
muitos anos de aposentadoria, e ganhando bem, fora tomado por inexplicável desejo
de praticar pequenos furtos em supermercados, assaltar velhinhas, ajudar na
fuga de bandidos perigosos e outros conivente, e afinal assaltar alguém.
Perguntei de novo o motivo de tão péssimos pensamentos. Ele insistiu
na resposta e disse não saber, sabia apenas que, sempre cumpridor com seus
deveres, agora se dera conta de que após todos aqueles anos sentia necessidade
de delinquir; um impulso, uma terrível determinação maligna e vulgar.
Firmei pé na minha pergunta e afinal admitiu o que pensava:
entendia que vivemos a solerte e larga mentira da honestidade e agora queria
ser um infrator, mas um infrator incapturável, sorrateiro, um infrator de gesto
leopardo, invisível em seus gestos de indecência. Afinal, não são todos
mentirosos?, questionou. Não agem assim os políticos, os grandes filisteus?
Queria, enfatizou, correr perigo, arriscar-se e, acima de
tudo, ser um risco para os outros. E nada melhor que ser um mão-leve, um
sete-dedos, um punguista, charlatão de falsos costumes, furtar sorrindo e
receber dos outros, de volta, um cordial sorriso enquanto sairia das lojas com
seus pequenos tesouros.
Dizendo isso puxou-me até um supermercado e ali penetramos.
Sem qualquer precaução apoderou-se de uma lata de cerveja gelada, e andando
calmamente em meio aos carrinhos de compras, senhoras bonachonas e funcionários
da loja, bebia sem parar.
Deixou a lata num depósito de lixo e avançou, agora sobre
uma garrafinha de cerveja, que sorveu com incrível rapidez. E repetiu o gesto
vezes e vezes. Afinal, já meio bêbado, convidou-me a sair. Eu claro, o
acompanhava a respeitável distância, e quando me chamou para sair agarrei-o por
um braço e saímos quase correndo para o meu carro.
Saí o mais depressa que pude. Agora ele queria mais: queria
apoderar-se de algo, queria um troféu. Agora a coisa estava ficando perigosa:
era o furto completo. E logo imaginei a prisão, a notícia no jornal, o escândalo
por algo barato. Mas ele não desistia da ideia. Logo estávamos num shopping Center
e ele foi direto a uma joalheria. Fingiu interesse por uma joia de preço médio.
Quando a vendedora abaixou-se para pegar o delicado objeto ele estendeu um
braço silencioso e tomou, escondendo na mão, um anel que pelo que vi era coisa caríssima.
Quando a moça ergueu-se ele disse que havia desistido da
compra. Pediu desculpas e saímos. Não é preciso dizer que eu estava tremendo. Calmamente
dirigiu os passos ao estacionamento e fugimos, literalmente fugimos.
Parei o carro muitos quarteirões adiante e disse que não,
que não mais o acompanharia naquelas loucuras. Ele tinha ido longe demais. Nesse
instante meu amigo revelou-se em toda a sua insanidade: sacou calmamente do
bolso do casaco um revólver e anunciou o assalto.
Queria tudo: meu dinheiro, cartões de crédito com as senhas
e, claro, o carro. Boquiaberto, ouvi que não resistisse ou seria alvejado. Sem alternativa,
entreguei o que pedira. Nisso, ia passando um carro da polícia. Ele saltou
depressa para fora do meu carro e gritou para os policiais, que pararam
imediatamente.
Ele mandou que eu saísse também e, apontando-me a arma,
disse que eu era um perigoso assaltante, que tentara roubá-lo, que havia
resistido e me tomado a arma. Como prova, apresentou o anel que havia roubado. Quando
à minha carteira, explicou que ma havia tomado para verificar a minha
identificação.
Agora estou à frente de um delegado que não acredita e uma só
palavra do que digo. Afinal, meu suposto amigo é homem respeitável, um senhor
aposentado e só me resta esperar a chegada do meu advogado.
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