quinta-feira, 5 de janeiro de 2012


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De como se criar um mundo novo e tornar magnífico um grão de areia

Sendo eu homem de poucas luzes, afeito a trabalhos básicos e elementais, sempre procurei aproximar-me de quem poderia ensinar algo a meu parco saber. Assim, no ano de 1201, trabalhando como lenhador nas brenhas mais profundas de floresta vasta, dali levando às aldeias meu pobre lavor que servia de aceso aos casebres por onde perambulava com meu cavalo carregado travei conhecimento com velho de muitas sabenças, tido como esquisito e morador de distâncias, garantidas em sua inacessibilidade pelos longes da citada floresta. Ensinou-me ele a escrever, a ler e a contar.


Em gratidão passei a colaborar com seus inventos. Como o velho era homem arredio às gentes, e não tendo outro a o servir, por uns tempos afastei-me do trabalho de lenhar a fim de ajudá-lo. Naquele então, ele desenvolvia experiências com a arte vidreira, criando ciosamente ora vidro plano ora encurvado. O primeiro tipo de vidro era aplicado às janelas de sua grande e tosca moradia, deixando entrar a radiosa luz solar; o segundo tipo permitia-nos a sensação miraculosa de observar coisas distantes, tornando-as aparentemente perto. Destarte, podíamos observar o sol através de vidros curvos, pretíssimos, sem que isso nos cegasse os olhos. Ou a lua, vista com lentes transparentes, encontrando assim todos os mistérios daquele ser do cosmo. Olhávamos também grãos de areia que se nos apareciam tão grandes como se fossem outros mundos. 

Assim, com a visão de detalhes aumentada, cada grão, era isso o que se nos aparentava, tinha montanhas e vales inóspitos, planícies, cavernas e artimanhas geográficas como o existem na Terra. O velho então decidiu: iria criar uma maneira de tornar-se tão pequeno, tão formidavelmente minúsculo, que seria capaz de explorar um grão de areia a fim de saber se ali havia vida humana ou a isso parecida. Perguntei porque não tentávamos chegar à lua, empresa que a mim pareceu mais fácil, já que não seria necessário a inversão do nosso tamanho.

Ele preferiu não. Explicou que o que se poderia encontrar na lua também o seria no grão, sem a necessidade de voo tão arriscado a local tão distante. Como era aprendiz, concordei com o mestre e nos atiramos a experimentos de beberagens e poções que, antes, ele ministrava a porcos, pássaros e outros seres viventes. Maravilhosamente, o velho começou a conseguir o encolhimento dos bichos até que um dia um enorme cavalo tornou-se tão pequeno que só o pudemos enxergar graças a vidro miraculosamente poderoso que amplificou a  visão do animal caminhando num grão de areia. 

O velho exultou: passou a aspergir suas poções sobre plantas, a largas porções de florestas, a lagos e a rios e todos se tornavam microcóspicos; e ele, em bandeja de vidro majestoso, os levava ao grão onde já estava o cavalo e ali criava um outro mundo, em tudo semelhante à Terra.

Afinal, um dia fomos examinar nossa criação e vimos que pululava de vida. O velho então disse que deveríamos nos separar, pois iria habitar aquele mundo antes grão seco e hoje planeta maravilhoso e pleno. Quis saber se o acompanharia à empreitada, mas recusei: "Não, mestre; não mereço tal honraria. Deixo-me ficar aqui no mundo grande, para ver o que acontece."

E assim foi: ele bebeu sua poção prodigiosa e pouco depois foi sumindo, sumindo, sumindo. Observei seu encolhimento em possante lupa, até que o vi, pequenino, caminhando em vale verdejante. Como já era versado na arte da vidraria, apressei-me a criar preciosa ampola de cristal de alta pureza, enchendo-a com o mais delicado ar da floresta para que ali flutuasse aquele novo mundo. 

Desde aquela data até hoje, quando tornei-me tipógrafo de ofício, guardo a ampola e, vez por outra, dou-me a olhar aquela minúscula perfeição e vejo que o velho está feliz. Ontem me disse que vai começar um grande ciclo de navegações, para conhecer o seu planeta...


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