segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O tango e o raio laser

Hoje de manhã precisei fazer pequena intervenção cirúrgica no olho direito. Raio laser para retirar uns grânulos que tornavam opaca a visão, corrigida em 2009 por lentes intraoculares nos dois olhos. Creio que o olho esquerdo também será submetido a idêntico tratamento proximamente. Nada preocupante, antes exultante porque, para quem usa óculos desde os dez anos, e sem eles via o mundo como um estranho conjunto disperso de manchas coloridas e totalmente distorcidas, voltar a ver as coisas como são é algo grandioso, inimaginável. 

Costumo dizer que antes das lentes encastoadas eu via a vida como numa pintura impressionista. Mas nada da beleza da arte de Monet, antes como um vendaval de borrões irritantes, desnorteadores, horríveis, deprimentes. Sem o uso de óculos eu sequer conseguia voltar sozinho para casa. Dá para imaginar? Não, não dá, se você nunca foi míope em alto grau não dá.

Mas voltemos ao tema de abertura deste relato: logo ao entrar no consultório uma surpresa agradável. Um aparelho tocava música instrumental suave. Envolto pelo clima relaxante encaixei a cabeça no aparelho que faria as descargas de laser no olho; o médico aplicou-me um colírio anestésico e fixou meu rosto entre duas hastes de metal com uma espécie de fita. Em seguida, mandou que começasse a respirar lentamente, concentrando-me no ir e vir do ar. Isso, disse, ajudaria a relaxar. A cabeça não pode, não deve se mexer.

http://www.google.com.br/imgres?q=tango&hl=pt-BR&safe
Concentrei-me naquele exercício respiratório, mas era difícil desligar-me dos procedimentos do médico. Explico: para que o olho fique aberto e a operação não se transforme num desastre - é raio laser, lembra? - é preciso outro gesto técnico: afixar ao olho um aparelhinho rígido, que impede as pálpebras de se fecharem. Em ato reflexo eu tentava fechar o olho, que se derramava num dilúvio lacrimal.  Mas a música continuava. Voltei minha atenção para os acordes e o aparelhinho foi afinal afixado. 

A máquina de laser foi ligada e vi uma intensa, intensamente suave chuva de pontinhos vermelhos. Essa, digo, não é a minha cor favorita. Bem pouco reconfortante, concorda? Mas, era o vermelho ou nada de visão nova. Enfim, passado esse pequeno ritual, o médico começou a fazer o que vou chamar de "disparos". Eram ruídos bem baixinhos, delicados, pianíssimos ruídos que me alegravam a ansiedade de voltar a ver o mundo como ele é.

Faziam assim, esses ruídos: pá!, pá!, pá!, certeiros, firmes, diretos. Cada um, creio eu, atacando , aqueles grânulos que insistiam em me reduzir a visão
- como faria Flash Gordon, esse meu grande amigo de infância, lembrança que eu julgava desbotada. Já pensou, uma batalha interplanetária em seu olho? Incrível, não? 

Mas é possível sim, ter um mundo no olhar. E isso eu tenho: meu olho, veja só, era um mundo disputado pela luz e pela sombra. E defendido por Flash Gordon, imbatível camarada meu, parceiro de muitas aventuras. 

E Flash Gordon venceu. Agora, quando redijo este coranto luminoso, o olho e o olhar já se sentem bem melhor.

Para encerrar, a música continuava ao fundo. Agora era um tango, a cadência amada de Gardel. O CD tocava "Tango para Tereza". Se você conhece, sabe do que estou falando. A síncope, a melodia, a força desse tango são enlevantes. Enfim: para completar minha exultação, estava ali, bem ao lado, uma Tereza, a minha Terezinha, Minha Mulher, minha Tereza, que esperava docemente o resultado daquela batalha vitoriosa. Que bom. E, não tenho dúvida: foi esse o nosso tango mais belo.

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