segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Algumas histórias estranhas: coisas de jornal ( 2 )

O visitante noturno disse: "Eles estão me perseguindo"

Redação da Tribuna do Norte, Natal, uma noite em 1982, precisamente 21h30. Lembro, pois olhei o relógio logo depois da saída do visitante noturno e do seu intrigante relato. Começou assim: eu estava já com umas quatorze horas de trabalho  -- começado às sete da manhã quando fizera a pauta, seguindo o restante do expediente em preparar o segundo caderno até a hora do almoço. Depois, a partir de uma da tarde eu havia reiniciado, cuidando do funcionamento da redação até a hora em que o homem entrou sem ser anunciado. 


Na redação ninguém além de mim e da diagramadora Tânia, competente profissional que sempre encontrava uma boa solução gráfica e estética para o noticiário da página 5. Até mesmo Moacir Oliveira, o velho Moaça, diagramador-chefe, já não estava.


Eu saí um instante do aquário onde ficava a sala de diagramação quando vi a figura sentada a um birô. Peguei uma matéria em cima da minha mesa. Nisso, ele se dirigiu a mim. Veio direto como lâmina de florete: "Sou um perseguido político." E detalhou: trabalhava numa TV pública onde comia o pão que o diabo amassou nas mãos de pessoas ligadas ao sistema. Já havia sido transferido diversas vezes até vir para Natal, onde estava na TV Universitária. Mas, garantiu, sentia-se perseguido pelos agentes da ditadura.


Pedi licença um minuto. Estava em fase final do fechamento, já com algum atraso. Eu lhe pediu mais uns quinze minutos, que o atenderia. Atenderia, diga-se, à base de muita boa vontade, pois pendulava entre o cansaço mais pesado e o sono certeiro. Bom, mas passaram-se os quinze minutos. Só que, quando olhei pelo vidro do aquário para a redação, o canto mais limpo. 


O homem cabisbaixo, de voz vestida de angústia havia desaparecido. Tão silenciosamente como havia chegado tinha saído. Isso deu-me uma sensação ruim. Um rápido e intenso processo de culpa: como eu tinha feito aquilo? E se aquele homem morresse em alguma esquina da tortura ou prisão? Por que não o havia atendido imediatamente? Essas perguntas foram o meu tribunal e a minha sentença durante vários dias.


Hoje, passados esses anos todos, veio-me à memória aquele estranho noturno: não deu-me qualquer detalhe das perseguições sofridas em Natal ou de quem as perpetrava. Só que agora questiono: seria verdade mesmo o que dissera? Ou seria aquilo produto de alguma mente transversa em busca de notoriedade num jornal de oposição?


Não tenho a resposta. Mas de uma coisa tenho certeza: a figura que se apresentou a mim naquela noite tinha algo de muito pesado sobre os ombros: ou realmente a perseguição dos esbirros ou a ponderosa noite de sua crença de estar sob perseguição, o que vem a ser a mesma coisa.

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