sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A sensata loucura
Aquela ponte sempre tivera sobre aquele homem o sentido de um desafio e despertara estranha sensação de complementaridade: a ponte sobre o rio fora partida ao meio por uma grande chuva. Assim, só tinha metade da pista. Ele também havia sido destruído em parte; somente tinha movimentos da cintura para cima. Acidente de carro. A sensação de proximidade se dava na lamentável condição de aleijados, ele e a ponte. O desafio era cruzar o rio mesmo sem a ponte. Ou seja: ele queria chegar ao outro lado do rio, voltar de alguma forma e contar à ponte como era chegar ao outro lado. Devia isso à ponte. A ela sentia-se apegado e amigo.

http://www.google.com.br/imgres?q=uma+ponte+destruida
Passou a fazer planos: contratar um homem forte que o atirasse até à outra margem do rio; ser puxado por uma corda até lá; pessoas em fila o iriam passando de mão em mão, cruzando a correnteza; esperar por um milagre ou o pior de tudo: desistir. Mas, entendeu, desistir não era exatamente planejar: desistir é uma forma de acovardar-se.


E ele já tinha duas pernas covardes e uma ponte aleijada. Não dava para desistir. Foi assim que resolveu assumir o risco. Um velho amigo o empurraria em sua cadeira de rodas a toda velocidade e ele sairia planando de um lado a outro do rio. Seria uma grande vitória: dele e da ponte que de alguma maneira teria atravessado o rio com sua pista inexistente.


Então, no dia aprazado, o velho amigo apareceu para ajudá-lo. Mas era um velho autêntico. Setenta anos. Com grande dificuldade empurrava a  cadeira de rodas, que movia-se centímetro a centímetro sobre a ponte mutilada. Aquela pobre e corajosa cena comoveu a um jovem que passava nas imediações. Aproximou-se e lhe foi contada a aventura que ali claudicava. 
O jovem era um louco e dizia caminhar nas nuvens. Assim, depois de reafirmar sua loucura, tirou o homem da cadeira e começou a caminhar em direção ao final da pista. Ali chegou, meteu começou a caminhar nos ares e continuou a andar até chegar ao outro lado do rio. Ato contínuo fez a volta, sempre caminhando no ar.


Chegando à ponte depositou o homem em sua cadeira de rodas e sumiu. E o homem, o velho e a ponte comemoraram aquela grande vitória: acreditar no que ninguém mais acredita; acreditar especialmente naquilo que ninguém sequer suponha que exista. Esse o segredo da sensata loucura.

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