sábado, 11 de junho de 2011

Sereias ou 0 retroprojetor que encanta

Na aula de ontem com estudantes de Oficina de Texto falei a respeito da crônica, esse gênero bem brasileiro. A crônica se constroi de assuntos pequenos, limitadas parcelas da vida, esquecidos instantes de quase ninguém e que quase ninguém percebe, vê  ou sente. É essa a matéria prima do cronista: o trivial, o tolo esquecido, o delicado refugo da vida que de repente no texto se dá a conhecer.
Ulisses, amarrado, enfrentando o canto magnífico e enganador das sereias

Como exemplo peguei um retroprojetor. Como se fosse um bicho vivo e cheio de manhas ele insistia em não se deixar manusear. Quero dizer: aquela haste que dá suporte à lente estava presa na lateral e aparentava ser impossível erguê-la. 

Depois de muita luta alevantou-se a lente e lá estava a máquina de ver: altaneira e firme como um grande olho de cristal e observar o mundo.

E então, pronta a minha metáfora de coisa insignificante e magnífica, disse que o retro podia ser encarado como uma máquina mágica, uma máquina que via ao contrário, porque uma máquina que exibia o seu olhar. Ao contrário de nós, que puxamos com o olhar a vida - puxamos para nós, puxamos para dentro de nós, para as nossas emoções caladas, o que está no mundo.

Assim, o retro passava a ser vivo e trazia pela luz ao mundo o mundo que escondia em seu ego de objeto vivificado. Os fios como fibras nervosas; a eletricidade como  força,  anima que a fazia coisa alumbradora.

Depois fomos à internet e vimos jornais de outras partes do mundo, jornais de longe de Natal e daquela sala do Setor II. A crônica da vida em mundo virtual envivecido. Acho que foi um grande-pequeno momento. Acho não, foi. 

E aqui, tratando dessa situação momentânea, passageira e de beleza que pude perceber, terminei fazendo uma crônica que se completa com o seu olhar de leitor que por acaso achegou a essa praia feita de letras, remansos e calmaria que dá o que pensar; pensar como meditação boba, de jornalista que datilografa como o fazia em priscas eras, em meio e volutas de cigarro e litros de café.


PS: um dia, ainda um dia, encontrarei uma praia secreta e distante, onde verei sereias. Como Ulisses, como Ulisses...

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