sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Um violão de ouro, ou a vida triste de um pobre cantor
Emanoel Barreto

Ontem, fiquei de falar um pouco sobre a Confeitaria Delícia. Aos sábados, muitas vezes fui lá. Tomar cerveja, conversar e apreciar um mural feito por Newton Navarro. Às vezes sozinho, muitas outras em companhia de um tarimbado e duro editor de polícia, amigo que conhecera ainda muito jovem, nos anos 1960.

O jornalista policial era um tipo amargo, tinha umas tiradas cruéis e pessimistas sobre a vida. No fundo, ele tinha alguma razão. Eu mesmo começara minha carreira pelas delegacias e celas que recolhem do submundo ao cércere aqueles que a sociedade a ali os destinou. O meu amigo costumava dizer: "Estou morto por antecipação. " E lá vinha com citações de Sartre e contava casos terríveis da miséria humana com que convivia. Coisas que eu também conhecia. Ossos do ofício...

Então, um certo começo de tarde sábado, nos entra pela porta da Delícia um violonista, boêmio e cantor de solidões e desesperos. Como a confirmar o pessimismo do amigo, sacou do violão canções tristíssimas, valsinhas dolorosas. Depois, passou aos sambas clássicos e cantou:

Sei que amanhãQuando eu morrer
Os meus amigos vão dizer
Que eu tinha um bom coração
Alguns até hão de chorar
E querer me homenagear
Fazendo de ouro um violão
Mas depois que o tempo passar
Sei que ninguém vai se lembrar
Que eu fui embora
Por isso é que eu penso assim
Se alguém quiser fazer por mim
Que faça agora
Me dê as flores em vida
O carinho
A mão amiga
Para aliviar meus ais
Depois que eu me chamar saudade
Não preciso de vaidade
Quero preces e nada mais

A composição é de Nelson Cavaquinho e Nelson de Brito. A parte que se identificava com o violonista era exatamente a que diz "Se alguém quiser fazer por mim/Que faça agora." E por quê? Por um motivo simples: o artista perambulante se dizia primo do governador do estado. Que, lamentava, o teria esquecido por completo, deslumbrado com o poder.

Daí a sua mágoa, a sua dor: não ser lembrado. O músico cantou e cantou mais e a tarde se encaminhou para o seu fim. O cantor levantou-se, pegou o violão e saiu por aí, trocando pernas. Era como uma solenidade decadente ver aquele homem talentoso, anuviado pelo álcool, nutrir em sua alma tanta angústia.

Levantamo-nos também, eu e o amigo e saímos. À porta do bar, ele não deixou escapar a oportunidade: "Tá vendo, Barreto? Assim é a vida. Estamos todos mortos por antecipação. E depois, de nada adiantará um violão de ouro."
Não tive como não concordar...
ZOORÓSCOPO

NAMBU - Os nambuínos são pessoas desorientadas, saltitantes, dão a nítida impressão de que estão perdidas. São aquelas que nunca fazem nada direito; ou se fazem, não completam o serviço. Você já deve ter convivido com alguém do tipo. Mas, às vezes, Nambu quer ter o destino de quem nasce em Águia e quer voar. Salta, bate as asas, voa, voa baixo mas voa e é só. Depois, o fracasso e a frustração.

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