quinta-feira, 4 de junho de 2009

A esmola de um pão no sinal de trânsito
Emanoel Barreto

O noticiário internacional das coisas de jornal relembra os 20 anos do massacre na Praça da Paz Celestiam, Pequim. O flagrante, de autoria de Jeff Widener, repórter fotográfico da Associated Press, registra o momento em que um jovem colocou-se à frente dos tanques e impediu o seu avanço. É um dos registros jornalísticos mais fortes, dramáticos e pulsantes. Metáfora perfeita da democracia como ideal ético, em oposição à brutalidade de uma ditadura. A fragilidade humana enfrentando o descomunal poderio de um sistema de poder alucinado por suas próprias pregações.



O homem jamais foi identificado. Lembro-me bem do episódio, divulgado mundialmente pela TV. Aquele homem, minúsculo, detendo, com sua determinação, o avanço de uma máquina dirigida por uma mente de psicopata. Quando o tanque era manobrado para a esquerda, tentando passar, ele seguia na mesma direção. Virando-se em sentido contrário, o ativista fazia o mesmo.

Percebia-se algo inusitado: a fera de ferro sendo dobrada pela força de vontade de alguém desarmado, mas dotado de coragem incomum. Sem dúvida, movido por algo a que chamamos dignidade, desprendimento, arrojo. Não digo martírio porque entendo o mártir como alguém que se deixa abater. No fundo, há algo de covardia no martírio passivo.

No caso, se foi martírio, foi o martírio do forte. Valeu como um grito. Mais que isso, um brado, resistência. Jamais se deve compactuar com ditaduras. Nem mesmo com a ditadura do neoliberalismo que, sob o manto do seu discurso falsamente democrático, nos tem a todos presos em sua realidade tentacular e sufocante. Há democracia quando alguém esmola um pão em sinal de trânsito? Não, é a minha resposta. Não, deve ser a sua resposta também. Posso contar com isso?


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