sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Do gemido das ruas aos silêncios e sotaques



Caras Amigas,
Caros amigos,

A política tem um lado espetáculo. Desde a Grécia antiga, quando os chamados homens livres compareciam à praça para debater as questões da cidade a oratória, a argumentação, a eloqüência, os grandes gestos retóricos, já compunham o dado dramático, encenador-teatral da arte política.

O espetáculo, hoje mais que nunca, é parte da política. Na atual campanha pela prefeitura do Natal, duas candidatas se apresentam com favoritismo frente aos demais: Fátima Bezerra e Micarla de Sousa. Das duas, Micarla parece ser a que tem chances reais de vitória.

Dois aspectos, para isso, devem ser levados em conta: a questão da mídia, que favorece Micarla, e o esvaziamento do discurso contestador, que fora o referente ideológico maior de Fátima.

Surgida do movimento sindical dos professores, Fátima chegou à Assembléia Legislativa como um furacão. Ela era a voz das ruas, o gemido do povo, o grito crispado dizendo "Não!". Agora, integrante de uma coligação que tem a consistência de uma lâmina de cavaco-chinês, está irreconhecível.

Hoje, a Fátima furacão cedeu espaço a uma candidata que repete diariamente um rol de realizações do governo Lula, numa ladainha cansativa e desgastada, típica dos políticos tradicionais.

As mazelas sociais, seus malefícios, são agora postos por ela pelo seu lado B, ou seja: existem, mas estão sendo tratadas, mesmo que, em sã consciência, todos saibam que medidas pontuais não revertem a situação trágica do povo.

Fátima perdeu o discurso: eis a real face, o fato que explica a perda do poderio eleitoral de Fátima. Fátima silenciou a voz que nela palpitava. O furacão transformou-se em tempestade tropical, perdeu força e pode acabar como brisa ligeira, dessas que, aos finais de tarde, tocam docemente os corpos de veranistas afortunados.

Ninguém pode, de repente, renegar seu passado. Ninguém pode transformar-se de um instante para o outro, esse o problema.

Quanto a Micarla, sua visibilidade diária, sua eloqüência visual, estão dando conta do recado. Utilizando-se de um sotaque que nada tem de nordestino, estranhíssimo, convoca a seu favor simpatias e, certamente espera, votos.

Resultado: uma, por perda de identidade e outra, por assumir uma identidade de mídia, são personagens do nosso tempo, do tempo da sociedade do espetáculo.

Fátima, ao anunciar benesses, confia que o povo acreditará que a vida melhorou, só porque a televisão está dizendo; Micarla, ao prometer benesses afins, garante que não: ela é que trará as benesses - a televisão também está dizendo.

Enfim: a perda do discurso prejudicou Fátima; e ao incorporar um discurso de massa, Micarla ganha o que Fátima perdeu. Em ambas, o discurso vazio. O povo, bem, o povo, ora acredita, ora não.
Emanoel Barreto

Nenhum comentário: