quarta-feira, 2 de abril de 2008

Assim caminha a humanidade

Caros Amigos,
Não sou dos que acreditam que uma imagem diz mais que mil palavras. A angulação, o uso de lentes especiais, o desfoque, enfim, técnicas de posicionamento e edição, podem performatizar uma foto de tal maneira que sua publicação venha a ser interpretada de forma totalmente diversa do acontecimento que a gerou.

A foto acima, entretanto, se encaixa perfeitamente na afirmativa generalizante de que a imagem fala mais que a palavra pronunciada ou redigida. Aí, cabe bem essa afirmativa do senso comum. Trata-se, inequivocamente, de um flagrante monstruoso da fome na África negra, abandonada e explorada pelos países centrais.

A imagem é um dado alarmente, pelo poder de síntese e argumentação imagética. É um grito e um protesto. Uma acusação à humanidade enquanto suposta instância ética coletiva; humanidade que se desetizou e se distanciou de sua essência de humanização e compaixão. Seria mesmo a denúncia da calamitosa situação dos povos africanos de um modo geral, não fora um problema: o fotógrafo, Kevin Carter, que ganhou o Pulitzer de fotografia em 1994, esperou friamente que o abutre se aproximasse da criança faminta, nas terras áridas do Sudão, para captar o momento. Depois, partiu e deixou a criança à própria sorte. O menino estava a, apenas, um quilômetro de um campo de atendimento a famintos, mantido pelas Nações Unidas.

Movido pelo objetivo de obter um grande flagrante, esqueceu que, antes de ser jornalista, ele, o fotógrafo, era um ser humano. Faltou-lhe a compaixão. Sua ação aética embasou-se unicamente na captação do instante preciso para a obtenção da foto. Com isso, aliou-se à grande indiferença aos deserdados, aos invisíveis que sofrem e caminham todos os dias em avenidas, ruas, becos, lama e territórios tórridos.

A indiferença, que se tornou sinônimo de insensibilidade e inumanidade, rege os destinos do mundo e dos que buscamapenas o lucro, o individualismo, o bem estar privativo e doce das bonanças e privilégios.

Do menino, não se sabe o que aconteceu, mas é fácil imaginar. De Carter, pode-se informar: suicidou-se três meses após ter feito a foto, sucumbindo a profunda depressão. Assim caminha a humanidade.
Emanoel Barreto

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