quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A mendiga e o trânsito

Caros Amigos,
A cena chamou-me a atenção.
O sinal de trânsito havia parado de funcionar perto do meio-dia. Os carros avançavam uns contra os outros no cruzamento da avenida. Nenhum guarda aparecia para dominar o caos. Até que uma mendiga, que sempre estava por lá, amparando um marido doente e cambaleante, atirou-se em meio ao drama urbano e, numa cena impressionante, impôs respeito.

Aquela mulher, magra, mal vestida, certamente faminta, ergueu as mãos e os carros pararam. Depois, determinou que os automóveis do cruzamento podiam passar e os motoristas obedeceram. Com energia patética, ela mandava, os carrões paravam ou seguiam.

Tive ali uma visão impressionante de como a cidadania, nas ocasiões mais absurdas, pode fazer-se valer. Alguém que vive à margem, na miséria mais absoluta, conseguiu domar aquele trânsito infernal e o tráfego fluiu normalmente.

Não precisou de apito, não vestia uma farda, não tinha qualquer autoridade formal para fazer-se obedecer. Valeu sua força e sua decisão.

Tempos depois eu a vi novamente, em outro ponto da cidade. O marido esquálido estava deitado no chão, numa calçada perto do cruzamento de outra avenida. Ela conversava com outra mulher. Esquecida, jogada, ela ali estava com seu frangalho de família, sequer esperando alguma ajuda. Cena bem brasileira, tão comum, que parece normal.

Nunca mais a vi. Está morta, está viva? Não sei. Seu companheiro, tão sofrido, tão fraco, tão doente e dependente, que fim terá levado? Não sei.

Lembrei-me hoje do episódio. Aquele casal, unido na doença e na pobreza, é um exemplo de amor. Aquele mulher, tão forte em sua presença esgarçada, na certa teria merecido algum respeito. Os perversos mecanismos da sociedade brasileira não quiseram. Lá vem o Brasil descendo a ladeira.
Emanoel Barreto

Um comentário:

Anônimo disse...

Boa Tarde Emanoel Barreto!

Sou estudante do 4° semestre de jornalismo da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo.

Quero parabenizá-lo pela sensibilidade que conseguiu transmitir ao descrever a cena do trânsito. Assim deveriam ser os jornalistas. Sensíveis para tocar a conciência e não rígidos para mostrar autoridade e estrelato.

Sou de Salvador e resolvi cursar jornalismo em São Paulo, pois minha família, como a maioria das famílias nordestinas, veio para cá.

Sempre acompanho os assuntos do Nordeste do Brasil, pois falta profissionais que mostrem como vivem esses brasileiros. Você representa esse papel muito bem.

Não o conheço pessoalmente, mas como diz o ditado: PARA UM BOM ENTENDEDOR, MEIA PALAVRA BASTA.

Sucesso para os estudantes de jornalismo do Rio Grande do Norte e do Brasil.

O futuro depende de nós!

Agustín Carvalho
awgwstho@hotmail.com
www.relaxeyblog.blogspot.com