quarta-feira, 9 de agosto de 2006

O candidato pobre, um homem com fé de carvoeiro

A história é uma galeria
de quadros em que há poucos
originais e muitas cópias."
Tocqueville

Hoje pela manhã uma cena, entre patética e comovente, chamou-me a atenção. Numa oficina de carros, um motorista chegou com seu sacolejante automóvel e pediu para que um mecânico fizesse uma revisão rápida. O homem, coitado, vestido modestamente, era um candidato. Candidato a deputado federal. Pelo menos era isso o que alguns adesivos diziam. Adesivos não, na verdade eram fotos dele, com o nome embaixo, material impresso em computador, com a tinta já quase se acabando.

Estava ali, penso eu, um desses ingênuos que pensam que política se faz com sinceridade, boa vontade e o chamado espírito público.

O homem e o carro formavam uma dupla perfeita: ele sem qualquer carisma, meio calvo, a camisa muito velha. E os cabelos que lhe restaram estavam desgrenhados e enrugados; o carro, por sua vez, cheio de amassados, movia-se sobre quatro pneus carecas. No seu interior, o estofamento parecia ter sido atacado por um gato-do-mato em estado de possessão. O capô, ao ser aberto, expôs um motor que mais parecia uma daquelas máquinas do Professor Pardal.

Aquilo não era um carro: era uma geringonça. Para completar, apafusados a duas armações de ferro, dessas usadas por surfistas para transportar suas pranchas, estavam dois enormes e velhíssimos alto-falantes, para ele a mídia que, certamente supõe, o elevará à condição de colega de classe de mensaleiros, sanguessugas e outros quejandos. Mesmo que ele não tenha vocação para o furto.

Detalhe: os dois alto-falantes estavam presos, literalmente presos, às armações por uma boa e confiável corrente. Afinal, devem fazer parte do pobre patrimônio daquele candidato. Já pensou, não ganhar a campanha e ainda ter seus alto-falantes roubados?

Mas a triste figura desceu do carro e pediu que fosse feito um servicinho qualquer. Ele falava com o recepcionista, quando ouvi esse fiapo de conversa:(recepcionista) "... é, quem manda é a ideologia..."; (o candidato): "É, mas já pensou se eu peço dinheiro a um empresário? É claro que ele vai me dar... Mas, e depois? Depois eu vou ter que pagar o preço dessa ajuda."

Em seguida, feito o servicinho, coisa rápida, negócio para dez minutos, ele agradeceu ao mecânico e tentou fechar o capô. Bateu uma, duas, três vezes. Na quarta tentativa afinal pôde fechar a tampa do motor. Agradeceu e saiu, perdendo-se pelas ruas com sua humilde e ingênua propaganda colada aos vidros do carro, os alto-falantes ainda mudos, o pensamento quem sabe já elucubrando o discurso de estréia na Câmara dos Deputados.

Algum dia um professor meu disse que Santo Tomás de Aquino pedia a Deus para ter uma "fé de carvoeiro", a fé dos simples, e jamais baquear em sua confiança nos desígnios divinos ou cambalear sobre a crença na existência do Pai.

Acho que hoje encontrei um homem com fé de carvoeiro. Montado em sua geringonça estava, como o Quixote, pronto para investir contra os moinhos de vento das candidaturas milionárias que estão surgindo no Rio Grande do Norte, muitas destas, de homens completamente desconhecidos e que fizeram pelo Rio Grande do Norte tanto quanto uma formiga de roça.

Acho que hoje encontrei um homem com fé de carvoeiro. Acho que, como Diógenes, o cínico, encontrei um homem de bem.