sexta-feira, 8 de setembro de 2006

A prisão que se move

"A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz.
O passado só se deixa fixar como imagem
que relampeja irreversivelmente,
no momento em que é reconhecido."
Walter Benjamin

O texto a seguir está no blog de Mino Carta. Dá um toque do surrealismo da cena brasileira, como uma pincelada sutil de pintor de gênio.

Os cidadãos e os elevadores
Já me permiti dizer que o Brasil é o único país do mundo onde os jornalistas chamam os patrões de colegas. Exemplo clássico: Roberto Marinho, também conhecido como “o nosso companheiro”. Outra faceta única está na maneira pela qual inúmeros cidadãos nativos tomam elevadores. No térreo, pretendem entrar antes que os ocupantes saiam, o vigor de sua atuação em inúmeras oportunidades os faz bem-sucedidos. Não excluiria a possibilidade de que haja indivíduos combalidos, e até inteiras famílias, a viverem dentro dos elevadores há anos, e mesmo há décadas. Adaptaram-se, conformaram-se, resignaram-se. Às vezes sorriem. O brasileiro é cordial.

Perdidos no espaço
A estranha realidade dos tempos de hoje em dia talvez dê razão a Mino Carta, ao estimar, como num labirinto borgiano, a possibilidade de famílias inteiras estarem vivendo em elevadores há décadas, uma vez que, sempre que tentam sair, aqueles que entram nos elevadores, com arte truculenta, vigor e força, as empurram outra vez para dentro.

Imaginemos então um elevador assim, cheio de pessoas, de famílias, de gente que não consegue sair de lá. Para caber tanta gente, será necessário que o elevador cresça para dentro do edifício, transformando-se num grande, profundo e sombrio corredor, onde pessoas se amontoam.

A cordialidade, então, se teria transformado em submissão, permitindo essa viagem insólita. Vivemos tempos estranhos, se é que, alguma vez, este mundo foi são, equilibrado e justo.

Por precaução, quando for entrar num elevador, procure ficar logo perto da porta e, rápido como um raio, escape, assim que ela se abrir. Não perca sua vida por delicadeza.

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