quinta-feira, 7 de setembro de 2006

O epílogo da decência

"As pessoas que falam muito mentem sempre,
porque acabam esgotando seu estoque de verdades."
Millôr Fernandes

A Gazeta Mercantil traz, com a naturalidade de um jornal dedicado ao mercado, ou seja, sem qualquer visão crítica ou noção de absurdo, a matéria: "Viagra passa Cialis e volta à liderança." O absurdo aqui tratado, não é qualquer visão moralista a respeito de uma matéria sobre um remédio contra impotência.

Esse jornalismo é flagrado em sua forma até mesmo surrealista, pelo fato de anunciar, de forma acrítica e cínica, que duas empresas de medicamentos, utilizando-se de uma visão apenas mercadológica, colocaram uma parcela da população masculina brasileira não na condição de clientes de um medicamento, mas enquanto consumidores. Ou melhor: pacientes viraram nicho de disputa de marcas.

Leia um trecho da matéria: "Com ofensiva mais agressiva da Pfizer em julho, remédio para impotência vende mais. A disputa pela liderança do mercado brasileiro de medicamentos para tratar a impotência sexual fica mais acirrada entre as multinacionais norte-americanas Pfizer, que desenvolveu o pioneiro Viagra, e a Eli Lilly, que há pouco mais de três anos lançou o concorrente Cialis.

"Viagra, que no primeiro semestre deste ano havia perdido a primeira posição do ranking em faturamento para o remédio da Eli Lilly, retomou ligeiramente a colocação no acumulado de janeiro a julho, conforme o IMS Health, empresa que audita as vendas do setor. No período, faturou R$ 99,86 milhões, ou 41,6% do total do mercado, de R$ 240 milhões. Cialis vendeu R$ 98,93 milhões, detendo 41,2% de participação."

A notícia informa também que os fabricantes do Viagra estão tranqüilizando os médicos quanto à prescrição do medicamento com a exemplar informação de que este pode ser utilizado sem restrição a qualquer tipo de alimento e, veja só, pode-se beber à vontade. O consumo de álcool não traz qualquer problema. Mais claramente, o produto pode ser consumido paralelamente ao álcool, em hotéis, motéis, em meio a uma farra... Ainda a esse respeito da Gazeta informa:

"Quando os concorrentes (disputam esse mercado também o Levitra, da Bayer, e Vivanza, parceria da Bayer e Medley Indústria Farmacêutica) chegaram ao mercado ressaltaram muito isso e criou-se uma impressão, não por culpa deles, é claro, que Viagra não podia. Então, estamos reforçando essa posição."

O que se percebe, a partir as declarações aspeadas, é que os executivos do Viagra - e dos seus concorrentes - estão unicamente disputando mercado. O mundo chegou a um ponto em que o capital perdeu tão completamente qualquer noção de ética e respeito humano, que a disfunção de alguém foi transformada em potencial de consumo.

Segundo a notícia, é grande o esforço publicitário junto aos médicos, a fim de que o Viagra continue a ser uma marca preferida. Uma marca, um produto, não um medicamento. Um produto, tanto quanto uma pastilha de freio que seja apresentada como a melhor para o seu automóvel.

Veja um pouco mais do texto da Gazeta, agora a partir do ponto de vista do concorrente do Viagra: "A gerente de marketing para Cialis da Eli Lilly, Alessandra Batalha, considera que a diferença no acumulado do ano que deu a liderança à Viagra é muito pequena. "Do nosso ponto de vista é um empate técnico." A executiva afirmou que a empresa acredita na retomada da posição para Cialis, destacando que no acumulado do ano em número de comprimidos vendidos o medicamento cresceu 17,4%, enquanto Viagra caiu 9,1%, ante igual fase de 2005. "Os números mostram que podemos bater o concorrente novamente e consolidar a liderança neste ano."

Trata-se de um cinismo cruel e sem limites. Afinal, lamentavelmente, chegamos ao epílogo da decência, como diria o jurista Luís Lopes de Oliveira Filho.

Um comentário:

Anônimo disse...

D, Acordo. Passei por aqui e. gostei.

j.a.m.

(http:// eucavooocaminhando.blogspot.com)