segunda-feira, 26 de junho de 2006

Nordeste? Ah! No nordeste, só tem nordestino...

"O silêncio não fala;
o silêncio significa."
Eni Puccinelli Orlandi

Na chamada grande imprensa, o Nordeste é um silêncio grande. E só se transforma em grito de manchete ou imagem falante na TV quando alguma coisa trágica acontece. E aí, imagens recidivas voltam ao vídeo ou ao papel do jornal mostrando as mesmas paisagens desdentadas de verde, aquele sertanejo sofrido, ícone vivo de uma realidade sócio-econômica que se alonga penosamente através da história.

Fora isso, nós nordestinos só aparecemos quando há alguma matéria sobre turismo e são mostradas as belíssimas paisagens praieiras do nosso litoral. Ou seja: ou é oito ou é oitenta. E um assunto é excludente do outro. Se se fala em seca e fome, não se toca na beleza das praias. O inverso também é verdadeiro .

Para o imaginário da tal grande imprensa o Nordeste é uma realidade estática, uma espécie de duplo vinculado de miséria e beleza. Mas no geral permanece o seguinte raciocínio: falou pobreza, disse Nordeste.

Estou fazendo esta abertura para tratar de uma matéria veiculada domingo pela Rede Globo, no Globo Esporte, quando se mostrou uma parte do Brasil onde ainda não há energia elétrica.

E qual a região escolhida para dar esse demonstrativo? O Nordeste! Claro, tinha que ser o Nordeste: afinal é aqui que as pessoas têm aquele sotaque meio cantado, são atrasadas e isso, e aquilo, e aquilo outro, não é mesmo?

Pois bem: foi mostrada uma pequena comunidade em Pernambuco, onde ingênuos agricultores, pobres do campo, falavam candidamente a respeito de como faziam para tomar conhecimento dos resultados dos jogos da Copa e até mesmo para acompanhar as partidas.

Velhos rádios de pilha ou uma TV em preto e branco, provida de energia a partir de uma bateria de automóvel, são os equipamentos usados pela população. Os nordestinos foram mostrados como curiosidade do circo midiático dos horrores.

Não se falou da omissão dos governos em prover aquelas populações de força e luz. Tocou-se no assunto com angulação voltada para o fato em si: uma gente atrasada, perdida nos rincões de um Brasil bruto, uma gente que fala errado e tem sotaque carregado, tentando ser como o povo da cidade e querendo ter direito a saber como está a Copa. Imagine!

Esse trabalho jornalístico, que cristaliza uma imagem negativa de um povo, o povo nordestino, contribui decisivamente para a fermentação do velho preconceito contra a Região. No Brasil há cerca de dez milhões de pessoas que não têm acesso à energia elétrica. A matéria ganharia força se fosse mostrada uma realidade nacional, uma exclusão perversa e dispersa; não unicamente coisa de nordestino.

Preferiu-se entretanto retrabalhar a velha imagem do nordestino e apresentar-nos como uma leva de indigentes da luz, uma esquisitice frente ao mundo globalizado. Mas Euclides da Cunha dizia que "o nordestino é antes de tudo um forte." Somos. Seremos.

3 comentários:

Anônimo disse...

Pois e´, por essas e outras é que não assisto mais a Globo.
Preconeituosa, tendenciosa e todos os osas que conhecemos.
Ainda assim, o BNDS está dando mais $ para eles, e eles editam as matérias sempre favoráveis ao Governo.
Não me conformo, como ainda toleramos que brasileiros vivam nessas condições tão precárias (vivem não, sobrevivem). E o LULA já esqueceu sua origem e só vive se refestelando com aviões ultimo tipo e outros que tais.
Para mim, se ele tivesse investido corajosamente na melhora (efetiva) de vida dessa população, eu já ficaria bastante contente.
Abraços aos nordestinos e por favor, não deixem de falar com o ritmo e o sotaque mais gostoso do mundo

Anônimo disse...

Parabéns Barreto, concordo veementemente com tudo o que você escreveu. É interessante que nessa ano de eleições o NE será o diferencial, afinal de contas O pernambucano Lula mantém grande dianteira na região.
Deve ser por isso que aquela comunidade da reportagem está sem energia ainda, acho que Lula tem medo de perder aqueles votos se eles tomarem conhecimento dos escândalos de Brasília. Seria mais um "curral" perdido.

Vitor Menezes disse...

Caro colega de labuta. Gostei do seu blog. Virei freqüês. Abração.