segunda-feira, 12 de junho de 2006

De Seleção, heroísmo e a triste verdade dos meninos nos sinais de trânsito

"A Seleção é a
pátria de chuteiras."
Nelson Rodrigues

O Brasil aguarda com alegria ansiosa e antecipada a entrada em campo da Seleção. Nem de longe se pensa ou se admite um insucesso. Nem de longe se pensa ou se admite que teremos um espetáculo, aqui entendido como encenação. Claro, um jogo de futebol tem algo de encenação, tem um roteiro, um script, ou seja: as regras, com punições e premiações ao longo da partida.

Mas o brasileiro, de um modo geral, supõe, acredita e vê no jogo apenas o seu lado de confronto supostamente patriótico. E em toda batalha há, sempre, a figura mítica do herói, aquele ser elevado à condição de sublime. Aquele que se supera em esforços e decisão de levar adiante a missão, superando limitações físicas, cansaço e temor. O herói luta por uma causa; o jogador atua para atender às expectativas daqueles a quem representa.

Como no caso há uma convergência, que mistura a presença do jogador com a figura do herói, a brisa do Brasil beija e balança as bandeirolas da torcida, em vez do auriverde pendão da nossa terra. Um herói estaria envolto nos objetivos da pátria. O jogador tem um contrato a cumprir e volta-se para atender expectativas e estas se transformam em exigência de gritos de gol.

O desmanche de imagem construída é bem simples de fazer: se, numa guerra, o herói volta derrotado, o povo inteiro lhe rende homenagens, pois sabe que colocou a vida em jogo para defender uma causa. No futebol, falhando o herói, a resposta a seu ato inconcluso será a vaia, sua renegação, quem sabe sua queda.

O futebol, enquanto espetáculo, nada tem de heróico. Na verdade, não há causa alguma a defender. A construção do espetáculo, que inclui e envolve a presença do público, é que nos dá a sensação de que veremos o desfilar olimpiano do lutador emérito. Apenas isso.

As mudanças sofridas pelo espetáculo futebolístico transformaram as partidas, de confrontos esportivos, em acontecimentos de mídia, criteriosamente organizados para render lucros e reinvestimentos. A Seleção, hoje, é um produto da Rede Globo, integra com exclusividade sua grade de programação. A Seleção não é a pátria de chuteiras, mas tão-somente uma grife, uma marca sofisticada e vendida a peso de ouro a grandes anunciantes.

A Seleção é uma imagem em movimento, um conjunto de jogadores caríssimos, intangíveis e pessoalmente invisíveis ao comum dos brasileiros, até mesmo pelo fato de que muitos atuam na Europa. Não há heroísmo em suas atitudes, apenas belas jogadas de craques consumados.

Se a Seleção vencer hoje, se chegar a ser hexa, comemore, vibre, cante, grite gol. Afinal, o futebol é parte da nossa cultura, revolui na cotidianidade do nosso imaginário, sem dúvida nenhuma alegra as nossas vidas. Mas, quando a Copa acabar, olhe para os lados e veja a nossa realidade. Talvez o heroísmo esteja no olhar do menino que joga malabares no próximo sinal de trânsito.


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