sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

O detetive Perpétuo*

"Deixei de fumar por absoluta
incompetência pulmonar."
(Ex-ministro Mário Henrique Simonsen, antes de morrer de câncer)

Meu velho amigo, o detetive Perpétuo, contou-me um caso ocorrido em Natal no início dos anos 60 quando ele, em silêncio, poderia ter sido promotor, juiz e executor de uma sentença, levando um homem pobre a morrer na cadeia. Um homem que, na verdade, estava agindo em legítima defesa de uma criança.


Foi assim: em 1961, ele estava num velho bar da Ribeira, coisa de sete da noite. O expediente dele na delegacia havia terminado, e Perpétuo tomava um uísque antes de voltar para casa, onde já o esperaria o jantar preparado por Dona Altiva, sua mulher.

Então, uma mulher entra correndo e diz: "Seu Pepeto me ajude." A pobre criatura estava descabelada, tremia, suava e vira nele sua última salvação, porta final do seu desespero. Perpétuo perguntou o que havia e ela relatou depressa, enquanto o puxava pelo braço: "Venha comigo, que meu vizinho, um homem já velho, roubou a minha filha e está com a menina trancada na casa dele."

Entraram na sacolejante viatura e foram até o morro de Mãe Luíza, então uma favela. No escuro havia pouquíssimas lâmpadas nas casas e ruelas da então favela de Mãe Luíza), ele divisou as duas casinhas, afastadas das demais, já no meio do matagal.
"É ali?", quis saber. "É ali", confirmou a voz trêmula da mulher. Perpétuo aproximou-se da casa do raptor. Silêncio completo. Andou a seu redor, em busca de encontrar algum ponto por onde pudesse penetrar na casa. As janelas todas estavam fechadas. Ele rondou uma, duas, três vezes.

Parou e ficou ouvindo: dava para perceber um ruído, um ronco, um regougo, lúgubre som vindo de uma garganta arfante. Supôs que a menina estivesse sendo vítima de alguma violência pelo velho e não pensou mais: atirou-se de cabeça contra a janela do casebre, que cedeu como se fosse feita de papel.

Perpétuo caiu bem no meio da pequena sala de chão batido e deparou-se com uma cena, que ele assim me descreveu: "Acocorada a um canto, a menina chorava. E à sua frente, o velho, ou melhor, o velho enfrentando um homem moço e forte. O velho era um aleijado e, com o apoio da muleta, usando aquela parte onde se apóia a axila, empurrava o homem, pelo pescoço, contra a parede. Mal se sustinha de pé, em confronto desigual, enquanto o outro empunhava uma faca para matá-lo a qualquer momento, se fraquejasse."

E concluiu Perpétuo: "Puxei o revólver, mas fiquei parado, até que o invasor bambeou. Fora sufocado, morreu, caiu e tombou no chão, como um fardo. Na verdade, o que tinha corrido fora o seguinte: o homem havia pegado a menina e, supondo que na casa do velho não tinha ninguém, foi esconder-se lá com ela. Mas Seu Felício, esse o nome do velho, estava na casa e enfrentou o agressor, com grande coragem. Eu me virei para o velho Felício e disse que fosse embora, construísse um barraco em outra favela qualquer e estava tudo bem. O assunto estava esquecido."

O velho sumiu na noite, Perpétuo voltou para casa e jantou em silêncio enquanto Dona Altiva comentava a respeito do grande sucesso do rádio, "O direito de nascer." Ele a olhou e sorriu na noite. Sabia que na favela uma menina dormia em paz.

*As aventuras do detetive Perpétuo são ficcionais.

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