"Não é justo alguém ter o direito de ter uma empresa de aviação e outro não ter o direito de comer um pão." /////// JAMAIS IDE A UM LUGAR GRANDE DEMAIS. A UM LUGAR AONDE NÃO TENHAIS CORAGEM DA IMENSIDÃO - EMANOEL BARRETO - NATAL/RN
terça-feira, 3 de janeiro de 2006
A noiva da meia-noite
“Meu filho, eu até essa idade não guardei
nem dinheiro, como iria agora guardar rancor?”
(Deputado Djalma Marinho)
Diziam que, lá pelo Tirol, à meia noite, idos dos anos 50 do século passado, estava aparecendo uma louca vestida de noiva. Ela vinha não-sei- de-onde e, quando menos se esperara, lá estava, ajoelhada à porta da igreja de Santa Terezinha. Seu vulto branco traspassava a noite, seu véu comprido luzia no sereno, suas mãos finas se grudavam na porta impenetrável. E um soluço baixo se ouvia então.E ali ficava, algum tempo. Depois, sumia, tão rapidamente como havia aparecido. E não se sabia qual destino havia tomado. Alguns haviam lhe visto o rosto. Era bonito. Cabelos negros emolduravam uma face fina. Traços de marfim. Doce perfil.
Pouco a pouco se espalhou pelo Tirol a história da noiva louca de Santa Terezinha. E começaram todos a procurar nas vizinhanças, a fim de que se descobrisse quem era a estranha infeliz. Velhas fofoqueiras se esmeravam por encontrar:
- Será a filha de Dona Betise?”
- Não sei. Mas me disseram que ela andou fazendo umas loucuras e parece que a família queria casar. Você sabe como são essas coisas, não é?
- Ah, sei. Ninguém quer ver a sua filha mal-falada...
E esse tipo de conversa dominava o bairro: a noiva de Santa Terezinha era o assunto do momento. As palavras maldosas buscavam interpretar o que as pessoas não compreendiam. Era um silêncio feito de boatos. Coisas que se dizem a portas fechadas. Na rua, ninguém falava. À noite, zumbiam cochichos. Falavam mal, não se sabia de quem. O importante era dizer alguma coisa.Até que um dia, caindo a noitinha, uma chuva fina veio apressar os passos das pessoas de volta à casa. E a chuva se fez forte, engrossou e gritaram os trovões.
A noite molhada pingava em todos os cantos, as sarjetas transbordaram seus líquidos de restos e de água suja e o tempo correu.Jordão, um solteirão que morava numa casa cheia de mangueiras e de sombras, apressava o passo. Havia se demorado muito em sua farmácia, que ficava perto do Cinema Rex ( quem viveu os anos 50 deve se lembrar) cumpria seu roteiro diário: ir e voltar a pé, da casa até o trabalho. Entretido com serviços administrativos, esquecera o tempo e pronto: meia noite em meio a uma chuva que vazava do céu intenso e negro. Ele caminhava a passos largos, o chapéu ensopado. Morava pouco depois da igreja de Santa Terezinha. Quando aproximou-se da igreja, seus olhos divisaram o vulto branco da noiva da noite. Gelou. O frio e o vento quase o transformam numa estátua de água. Mas, resoluto, retomou os passos que se encaminharam para a igreja, onde a moça estava de costas, ajoelhada, os braços erguidos e apoiados na grande porta.
Torrente.
A chuva desabava forte e ele se aproximando. E disse então: - Moça? - e tocou em seu ombro. A mulher virou-se e o encarou. Seus olhos negros cravaram-se nos olhos castanhos de Jordão. Ele tremeu e compreendeu todo o mistério da noiva de Santa Terezinha.
Ela disse:- Eu não sou eu. Eu sou meu sonho. Eu sou o meu sonho que você matou. Meu sonho era casar. E você me abandonou aos pés do altar, se lembra?E desmaiou. E Jordão, como nos casamentos antigos, tomou a noiva nos braços e caminhou pela chuva, no meio da rua. Todas as casas se iluminaram para ver a passagem do casal, até que ele, com seu passo trôpego, chegou à casa, abriu a porta com um pontapé e entrou. Fechou a porta e, dia seguinte, a quem perguntava o que acontecera, dizia: - Não sei. Você sabe?
Mas, em casa, afinal em sua casa, uma mulher afinal feliz virava as páginas do seu caderno de sonhos.E os vizinhos e todas as invejas murchavam em sua própria sombra
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