Frei Damião falava ao povo e a multidão pedia o comunismo
Fui à cidade de Ceará Mirim, pouco mais de 40 minutos de Natal, onde ele se
encontrava. Encontrei-o na igreja matriz. Abençoado templo povoado por imagens
de santos e de anjos, querubins e serafins. A pequena e cândida figura atendia
em confissão a enorme fila de mulheres cobertas por véus e envoltas em doce
auréola de rezadeiras, como só as existem no Nordeste. Mulheres suadas de fé.
E eu fiquei olhando para elas. Atentei para suas bocas que fervilhavam baixinho
rezas velhas, mistérios sussurrados em uma língua estranha que jamais consegui
apreender desde quando, ainda menino, olhava minhas tias fervorosas diante de
uma vela e de uma imagem de Nossa Senhora. Deviam ser coisas muito altas,
evoladas da inefável religião dos bons, áugúrios de uma vida melhor depois da
morte, quem sabe o repouso calmo no regaço da Virgem.
Preste atenção na boca de uma velha rezadeira: é ali que mora a alma, tenho
certeza. A minha mente de repórter, todavia, estava preocupada com algo mais
urgente e menos devoto: o tempo. Eu tinha hora para voltar à Tribuna do Norte e
fazer o meu texto.
Com alguma insistência junto a um auxiliar do beato consegui parar a confissão
e ele me atendeu. Confesso, sem trocadilho algum, que nem mesmo sei o que
perguntei. Mas, o que mais valia era relatar o encontro dulcíssimo do
pastor com o seu rebanho, captar o ambiente angélico, a doçura do olhar do
Frei, seus conselhos e penitências passadas àquelas pessoas sacras e pias.
Saí, confesso novamente, com a alma cheia de alguma candura - certamente
meu coração de repórter, feio e mau, tocado pelos instantes miríficos. Assim,
de volta à redação, encontro com outra figura humana portentosa: Dorian Jorge
Freire, diretor de Redação. Católico, minúsculo de tamanho mas enorme em
sabedoria e humanismo.
Terminado o meu texto, Dorian, que também tinha grande espírito de humor, contou-me o seguinte:
Certa vez, Barreto, Frei Damião estava com suas
missões pelos sertões distantes. Fazia sua costumeira pregação contra o pecado,
a devassidão e o adultério. Defendia o sacramento do matrimônio e dizia que,
sem ser casado, o casal era "como o cachorro e a cachorra, o touro e a
vaca." . Advertia também a todos contra o perigo do
comunismo vermelho e ateu.
E dizia: "O comunismo é pecado grande, pecado mortal. O comunismo é a
besta-fera que vem para desafiar o Evangelho. O comunismo é o perigo até mesmo
para as mocinhas." O povo olhava e ouvia tudo, pasmo, temeroso, pronto
para fugir, caso o comunismo chegasse a qualquer instante.
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