A maldição de Brinquedo do Cão
Por Emanoel Barreto
Edmilson Lucas da Silva era o nome de um bandido mais conhecido como Brinquedo do Cão. Tornou-se famoso em Natal nos anos 1970 quando praticava assaltos, fugia e depois mandava os amigos comprar os jornais para que ele lesse as manchetes que relatavam suas proezas.
Como sei disso? Ele mesmo me contou, disse isso numa das entrevistas que mantivemos e riu, riu muito, lembrando o que considerava, no início, muito mais uma molecagem que um crime.
Anos depois li que Brinquedo fora morto na Paraíba, com um tiro de espingarda no rosto. Aparentemente acerto de contas com traficantes.
Ainda nos anos 1970 lembro que certa vez ele foi capturado e levado ao quartel da Polícia Militar.
Os jornalistas foram chamados e pouco depois lá estava eu, frente a frente com aquele jovem que um padre havia apelidado de Brinquedo do Cão, tantas haviam sido as traquinagens que ele fizera nas imediações da igreja onde o sacerdote oficiava suas missas. Como não aguentava mais aquela presença incontrolável, o padre, numa expressão de raiva, gritou: "Esse menino é um brinquedo do cão!" Pronto, nascia ali um bandido, com apelido que virou marca nas manchetes e no submnundo do crime.
Ao chegar para a entrevista vi um rapaz baixote, expansivo, que falava com clareza e tranquilidade, ao contrário de muitos bandidos; nas delegacias encontramos muitas vezes sujeitos monossilábicos ou que falam tão depressa que mal dá para o repórter fazer as anotações.
Tipo: “Como é seu nome?”
E cara responde: “ZéFrancisdaSilv!”
“Foi preso por quê?”
Na lata, ele diz: “Fiumrôb.” Isso quer dizer fiz um roubo. E por aí vai.
Então, na entrevista com Brinquedo, ele me contou de suas desavenças com inimigos na Colônia Penal João Chaves, disse que tinha “preparado um ferro”, uma espécie de lâmina ou ferro pontiagudo para se defender, mas garantiu que não queria "matar ninguém". Era somente aquilo: se defender. Fiz aquela entrevista e mais umas outras e nunca mais o vi.
Conheci muitos bandidos ao longo da minha carreira, Brinquedo do Cão foi apenas mais um. Há algo de trágico no homem criminoso, no ser humano que por qualquer motivo se devota à transgressão. Qualquer repórter que convive com essas pessoas, entra em presídios, vai a delegacias e percorre ambientes barra-pesada sente isso.
Há algo de triste e deplorável na condição humana, na queda, na imersão, no afundamento, no baque. Quando um repórter sai de uma penitenciária, após uma entrevista ou terminada a cobertura de um motim, leva na alma um pouco do perverso, do malévolo, do ódio e da dor que ali habita. Aquilo gruda em você. É ruim. Muito ruim.
E depois de sair da frente do crime e voltar para casa o repórter, muitas vezes, quando a noite é mais escura, chora. Não um choro literal. Mas a sensação terrível de perguntar-se e não ter resposta: por quê? Que humanidade somos? Um choro seco, sem lágrimas, mas cheio de um soluçar que lhe pergunta insistentemente: por quê?
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