“Quem vai me
pagar a cobra?”
Por Emanoel Barreto
A morte de Seu João Vilaça chocou
a todos quantos o conheciam. Homem bom, sertanejo de têmpera de aço, tinha, por
trás da cara amarrada, um grande coração, jamais negando uma ajuda a quem quer
que fosse. Assim, familiares e amigos estranharam muito quando fora atacado e
morto por um bandido. O agressor chegou e, sem palavra, disparou a arma uma,
duas, três vezes. Seu Vilaça caiu pronto.
Homem
querido, o velório recebeu muitas presenças. Todos lamentavam a morte: “Era um
velho duro”, disse um amigo. “Se não fosse isso, ainda iria viver muitos anos”,
completou uma senhora. As pessoas lamentavam o ocorrido e enfatizavam: mas como
isso poderia ter acontecido? Não houvera discussão, briga, desentendimento
algum. Nem mesmo uma tentativa de assalto.
A
família lamentava a frieza como o crime fora cometido, o que aumentava a
revolta e a dor. Ninguém encontrava explicação e havia mesmo quem pensasse em
reunir um grupo de amigos para encontrar e justiçar o matador. “Não se pode
aceitar uma coisa dessas. A violência chegou a limites do insuportável para os
cidadãos de bem”, reprovava um velho amigo de Seu Vilaça.
Como,
por que o bandido tomara tal atitude frente a um homem velho, indefeso, incapaz
de agredir alguém? Nisso entra na casa um estranho. Esgueirando-se por entre as
pessoas o homem pediu licença a Genebaldo, um amigo do morto, e disse que
precisava urgente falar com alguém da família, alguém muito próximo, de
preferência filho ou até mesmo a viúva.
Insistia:
era assunto importante e somente com uma pessoa assim poderia conversar. O
velho tinha prole numerosa. Genebaldo ficou assim..., olhou para um lado, para
o outro e afinal seus olhos encontraram a figura de Arminda, a filha mais velha
de Vilaça, e que estava em melhores condições emocionais frente à tragédia.
Ela
conduziu o estranho à cozinha e dele ouviu a seguinte história: Seu Vilaça
sempre havia devotado grande ódio a bandidos. Desde os bandidos convencionais,
digamos assim, até aqueles de colarinho branco. “Sei disso”, admitiu Arminda.
“E daí?” Daí, prosseguiu o homem, que Seu Vilaça havia encontrado um modo
engenhoso de matar bandidos, sem que ninguém desconfiasse.
“Como
assim?” Ora, muito simples: toda semana o estranho, que morava numa
cidadezinha do interior, capturava uma cobra que era levada a Seu Vilaça. Ele
recebia, pagava e colocava o bicho numa valise bem trancada. Tinha
preferência por cascavéis (“Adoro o barulhinho assassino do maracá”), o homem
fez questão de detalhar essa fala, assumindo ares de grande conhecedor do velho e suas ações de justiçamento.
“E
para que ele queria essas cobras?”, quis saber Arminda. Claríssimo estava,
salientou o sujeito: para matar bandidos. Seu Vilaça ia ao Centro da cidade com
a valise na mão, encaminhando-se a locais onde notoriamente agiam ladrões
especializados em furtar bolsas, pastas, carteiras. Ele se enfiava no meio da
multidão, procurando atrair a atenção dos bandidos.
Logo,
logo, um deles se atirava sobre o velho e roubava a mala. É claro que, na
confusão, na correria, o bicho ficava assanhado e, pouco depois, quando o
ladrão abria a valise, a cobra pá!, tacava-lhe a mordida fatal. "E olhe
que ele havia matado muitos, muitos desse jeito, viu? Pelo menos uns vinte."
“Então...”,
balbuciou Arminda....então, esclareceu o homem, Vilaça fora morto por vingança.
“Vingança?, balbuciou a mulher. Sim. Claro. Os marginais terminaram percebendo
que estavam sendo vítimas de uma armadilha e abriram fogo.
E
afinal, frente a uma Arminda paralisada de susto e dor, o homem arremeteu seu bote:
“Sim, minha senhora, foi uma vingança. E eu não posso ficar no prejuízo. E
agora por favor decida: quem vai me pagar a cobra?”
Nenhum comentário:
Postar um comentário