Desejo da matar:
o plano sinistro
para um dia de ira
Por Emanoel
Barreto
Nos idos de 1974 eu era repórter
da editoria de polícia do Diário de Natal. Uma tarde apareceu por lá um homem
que se identificou como funcionário da Secretaria de Segurança: queria informar
a respeito de um enfrentamento que pretendia ter com um colega de trabalho:
situação a ser resolvida a tiros, assunto de inimizade terrível e ódio sincero.
Não quis falar a respeito do
motivo para o surgimento de tamanha raiva. Queria mesmo era descrever como se
daria o confronto, coisa que sua mente perturbada queria consumar a qualquer
custo, mesmo que, em meio aos balaços, ele viesse a morrer. O sujeito tinha
olhos negros e um bigode que cobria fartamente o lábio superior. As mãos fortes
pareciam dispostas a se destruir mutuamente, tal a forma como se apresentavam:
crispadas e quase pingando o fel da sanha que animava o tal sujeito.
Eu perguntando a respeito do
intento, ele falando, eu anotando. Indaguei sem interrogação: “Quer dizer que o
senhor pretende atacar seu colega...” Ele disse “sim” e acrescentou, colocando
o cotovelo sobre o birô e fechando a mão direita como se fosse dar um murro que
teria a força estúpida de um coice: “Sim, e pretendo atacá-lo de forma
definitiva.”
Quando eu quis saber o que seria
exatamente essa forma definitiva claro que já imaginava a resposta. Ele foi
objetivo ao dizer que o homem alvo de tamanha raiva, gana a furor não
escaparia. Morte certa seria o fim daquela jornada insana.
À medida que detalhava seu plano
ia ficando mais e mais excitado em seus intentos molestos. Gesticulava e falava
alto, chamando atenção. E olhe que ele estava numa redação, ambiente que
naquele tempo era muito barulhento, com o entra e sai de repórteres e
fotógrafos, máquinas metralhando textos e preenchendo laudas e laudas.
Disse em seguida: “Terei comigo
uma pistola muito boa, um revólver calibre 38 e outra arma de fogo: pesada,
para bater e machucar.” Ainda hoje, sempre que lembro desse assunto, me
pergunto por que ele iria manusear uma arma de fogo para “bater e machucar” em
vez de usá-la para disparo. Talvez quisesse iniciar o combate corpo a corpo
para depois dar início ao tiroteio. Perguntei e a resposta foi essa: “Depende
do momento.”
Quando quis saber onde se daria
o confronto foi taxativo: “Será na rua, em frente à Secretaria de Segurança.” O
plano era simples: esperar que o inimigo chegasse à Secretaria – que na época
funcionava onde fora a Faculdade de Direito, na Ribeira –, defrontá-lo e partir
para a agressão. Olhou para mim e disse, olho no olho:
“Espero liquidar o assunto em
menos de cinco minutos. Quero despachar o sujeito – cujo nome não revelou de
jeito nenhum –, mas quero evitar atingir algum passante, embora isso seja
sempre uma possibilidade..”
Quando seria o confronto? “Não
sei. Talvez amanhã, quando a edição dessa entrevista estiver na rua.”
Não quis dizer mais nada.
Agradeceu e saiu pelas portas de vaivém da redação, típicas de um saloon de
filme de caubói. Portas bem apropriadas para receber o assunto que acabava de
ser tratado.
Ainda sob o impacto daquela
loucura e como eu era muito novo em jornal, coisa se três ou quatro meses,
dirigi-me a colegas mais experientes e contei o que havia acontecido: quase me
disseram em coro: “Você está doido? Isso é um duelo. O jornal não pode noticiar
a programação de um crime. Deixe isso pra lá.”
Como sequer havia começado a
redigir a matéria engavetei na memória aquele assunto e somente hoje estou
falando dele. Detalhe: dia seguinte eu estava esperando que a qualquer momento
chegasse a notícia do embate em frente à Secretaria. Eu teria que ir direto
para lá, para saber detalhes. Até hoje não ouvi falar a respeito...
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