quinta-feira, 17 de outubro de 2024

 Desejo da matar: 

o plano sinistro

para um dia de ira

 Por Emanoel Barreto

Nos idos de 1974 eu era repórter da editoria de polícia do Diário de Natal. Uma tarde apareceu por lá um homem que se identificou como funcionário da Secretaria de Segurança: queria informar a respeito de um enfrentamento que pretendia ter com um colega de trabalho: situação a ser resolvida a tiros, assunto de inimizade terrível e ódio sincero.

Não quis falar a respeito do motivo para o surgimento de tamanha raiva. Queria mesmo era descrever como se daria o confronto, coisa que sua mente perturbada queria consumar a qualquer custo, mesmo que, em meio aos balaços, ele viesse a morrer. O sujeito tinha olhos negros e um bigode que cobria fartamente o lábio superior. As mãos fortes pareciam dispostas a se destruir mutuamente, tal a forma como se apresentavam: crispadas e quase pingando o fel da sanha que animava o tal sujeito.

Eu perguntando a respeito do intento, ele falando, eu anotando. Indaguei sem interrogação: “Quer dizer que o senhor pretende atacar seu colega...” Ele disse “sim” e acrescentou, colocando o cotovelo sobre o birô e fechando a mão direita como se fosse dar um murro que teria a força estúpida de um coice: “Sim, e pretendo atacá-lo de forma definitiva.”

Quando eu quis saber o que seria exatamente essa forma definitiva claro que já imaginava a resposta. Ele foi objetivo ao dizer que o homem alvo de tamanha raiva, gana a furor não escaparia. Morte certa seria o fim daquela jornada insana.

À medida que detalhava seu plano ia ficando mais e mais excitado em seus intentos molestos. Gesticulava e falava alto, chamando atenção. E olhe que ele estava numa redação, ambiente que naquele tempo era muito barulhento, com o entra e sai de repórteres e fotógrafos, máquinas metralhando textos e preenchendo laudas e laudas.

Disse em seguida: “Terei comigo uma pistola muito boa, um revólver calibre 38 e outra arma de fogo: pesada, para bater e machucar.” Ainda hoje, sempre que lembro desse assunto, me pergunto por que ele iria manusear uma arma de fogo para “bater e machucar” em vez de usá-la para disparo. Talvez quisesse iniciar o combate corpo a corpo para depois dar início ao tiroteio. Perguntei e a resposta foi essa: “Depende do momento.”

Quando quis saber onde se daria o confronto foi taxativo: “Será na rua, em frente à Secretaria de Segurança.” O plano era simples: esperar que o inimigo chegasse à Secretaria – que na época funcionava onde fora a Faculdade de Direito, na Ribeira –, defrontá-lo e partir para a agressão. Olhou para mim e disse, olho no olho:

“Espero liquidar o assunto em menos de cinco minutos. Quero despachar o sujeito – cujo nome não revelou de jeito nenhum –, mas quero evitar atingir algum passante, embora isso seja sempre uma possibilidade..”

Quando seria o confronto? “Não sei. Talvez amanhã, quando a edição dessa entrevista estiver na rua.”

Não quis dizer mais nada. Agradeceu e saiu pelas portas de vaivém da redação, típicas de um saloon de filme de caubói. Portas bem apropriadas para receber o assunto que acabava de ser tratado.

Ainda sob o impacto daquela loucura e como eu era muito novo em jornal, coisa se três ou quatro meses, dirigi-me a colegas mais experientes e contei o que havia acontecido: quase me disseram em coro: “Você está doido? Isso é um duelo. O jornal não pode noticiar a programação de um crime. Deixe isso pra lá.”

Como sequer havia começado a redigir a matéria engavetei na memória aquele assunto e somente hoje estou falando dele. Detalhe: dia seguinte eu estava esperando que a qualquer momento chegasse a notícia do embate em frente à Secretaria. Eu teria que ir direto para lá, para saber detalhes. Até hoje não ouvi falar a respeito...

 

 

 

 

 

 

 

 

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